Transferência condicional de renda e mortalidade em menores de cinco anos

É notável a redução da mortalidade em crianças menores de 5 anos nos últimos 15 anos no Brasil. Imagem: Fotolia

Indicadores do Observatório sobre este tema:
ind020104, ind020202, ind020203

É notável a redução da mortalidade em crianças menores de 5 anos nos últimos 15 anos no Brasil, principalmente as que resultam especificamente de causas associadas à pobreza, como desnutrição, diarreia e infecções respiratórias inferiores. O indicador 020202 do nosso Observatório, que tem como base os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, mostra que a mortalidade proporcional por doenças diarreicas agudas em menores de 5 anos de idade passou de 22% no ano de 2001 para 8% em 2009. Além disso, o indicador 020203 também aponta uma redução de aproximadamente 40% na mortalidade proporcional por infecções respiratórias agudas em menores de 5 anos entre os anos de 2001 e 2009.

Durante esse período o país passou por várias mudanças tanto em âmbito social como na saúde pública. Uma dessas mudanças foi a implementação, em 2003, de um programa de transferência condicional de renda: o ‘Bolsa Família’, que se originou da fusão de quatro outros programas sociais nacionais preexistentes (o Bolsa Escola, o Auxílio Gás, o Bolsa Alimentação e o Cartão Alimentação).

O Programa Bolsa Família (PBF) beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza*1, e as condições exigidas para o recebimento do benefício do programa incentivam o uso de serviços públicos como saúde, educação e proteção social, além de combater à fome, promover a segurança alimentar e nutricional, e incentivar à capacitação sustentável dessas famílias. Atualmente, o PBF contempla 13,8 milhões de famílias com pagamento mensal de valores que variam de R$ 32 a R$ 306 por mês, dependendo do rendimento e da composição da família.

Em função da redução acentuada da mortalidade por diarreia (46,3%), má nutrição (58,2%) e infecções respiratórias inferiores (27,0%) entre 2004 e 2009, pesquisadores do Instituto de Saúde Coletiva, da Universidade Federal da Bahia, se interessaram no possível efeito da transferência condicional de renda do PBF sobre a mortalidade de crianças menores de 5 anos por essas causas associadas à pobreza. Os pesquisadores tinham como objetivo entender se uma pequena quantia de dinheiro poderia modificar as chances de sobrevivência das crianças. Para isso, analisaram dados sobre mortalidade específica em crianças menores de 5 anos em 2.853 (de 5.565) municípios no período de 2004 a 2009.

Como a cobertura do Programa de Saúde da Família (PSF) tem aumentado continuamente, atingindo 75,0% dos municípios em 2009, é evidente que seja considerado como um dos fatores responsáveis pela redução substancial da mortalidade entre os menores de 5 anos de idade. A possível influência das melhorias nas condições socioeconômicas também, pois o aumento da renda favorece o acesso aos alimentos e a outros bens relacionados com a saúde, bem como o próprio o acesso aos serviços de saúde.

Entretanto, os autores revelam que o efeito do PBF sobre a redução da mortalidade em menores de 5 anos foi maior do que as condições socioeconômicas e o PSF.  Na verdade, eles explicam que o aumento da duração e da cobertura do PSF reforçam o efeito do PBF. Consideram que há na verdade um efeito conjunto entre a transferência condicional de renda do PBF e a participação no sistema de cuidados à saúde (PSF) na redução da mortalidade infantil com causas relacionadas à pobreza.

Os mecanismos de ação associados a essa redução agem sobre os determinantes sociais da saúde e estimulam os cuidados à saúde, como o aumento do uso de serviços preventivos em crianças e mulheres grávidas, como ter a vacinação em dia, explicam os pesquisadores. No entanto, reforçam que para entender como a quantidade relativamente pequena de dinheiro fornecido pelo PBF pode ter um efeito sobre a saúde dos beneficiários, deve-se ter em mente que essa quantidade é proporcional à vulnerabilidade econômica das famílias, e que a associação entre renda e saúde não é linear. Mesmo uma pequena quantidade de dinheiro, dada a famílias extremamente pobres, pode ter um efeito sobre a saúde da criança, aumentando a sobrevida, através da redução da desnutrição e da melhoria nas condições de moradia, avaliou Maurício Barreto, mestre em saúde comunitária e professor titular em epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Os autores esperam que os resultados desse estudo contribuam para o debate  sobre a relação entre as políticas sociais distributivas e as condições de  saúde da população. Além disso, consideramos que uma análise por macrorregião deva ser feita porque os indicadores 020202  e 020203 do nosso Observatório mostram que ainda existem diferenças regionais expressivas em relação às mortes relacionadas à diarreia e infecções respiratórias inferiores entre os menores de 5 anos de idade. Somados ao fato de que as regiões Norte e Nordeste possuem a maior concentração de pessoas em situação de extrema pobreza (2,65 e 9,6 milhões de pessoas, respectivamente), segundo o IBGE. Em 2009, nas regiões Norte e Nordeste a proporção de mortalidade específica por doenças diarreicas agudas em menores de 5 anos de idade foi de 18,3% e 11,8%, respectivamente, enquanto na região Sudeste não passou de 3,5%. Há variações regionais também em relação à mortalidade específica por infecções respiratórias agudas. Enquanto essa proporção foi de 32,2% no ano de 2009 na região Norte, a região Sul apresentou uma proporção de 12,3% e a Sudeste de 14,6%.

Apesar do PBF e do PSF apresentarem uma associação dose-resposta significativa com a diminuição da taxa de mortalidade em menores de 5 anos, outro aspecto importante é que parte da queda  observada entre os municípios variou com a cobertura do PBF. Neste estudo ecológico da UFBA, os municípios onde havia mais pessoas beneficiadas pelo PBF houve também maior redução da mortalidade infantil em menores de 5 anos. É possível especular que, em 2004, os municípios com maior número de beneficiários eram aqueles com maiores taxas mortalidade infantil. Segundo IBGE (2010), 53,3% de domicílios participantes do PBF estava na região Nordeste e 7,8% na região Sul. Essas são regiões que apresentaram em 2009 uma taxa de mortalidade proporcional em menores de 1 ano (indicador 020104) de 17% e 11%, respectivamente. Ou seja, a região Nordeste além de possuir uma proporção maior de beneficiários também possui as maiores taxas de mortalidade infantil. Assim, deve-se considerar ainda as diferenças nas taxas de mortalidade infantil em menores de 5 anos no início do período entre as regiões, que pode explicar, ao menos parte, a maior redução da mortalidade infantil na região Nordeste. Isto porque, a redução de uma taxa percentual em certo intervalo de tempo tende a ser maior quanto maior for o valor da mesma no início do período.

Os resultados deste estudo oferecem evidências de que uma abordagem multissetorial pode reduzir substancialmente a mortalidade infantil por causas relacionadas à pobreza em um país de classe predominantemente média como o Brasil. Os autores sugerem que a combinação de um programa de transferência condicional de renda em grande escala e cuidados primários de saúde, tem potencial para atuar em importantes determinantes sociais de saúde e deve ser capaz de atender de maneira eficaz as demandas básicas de saúde da mesma população.

*1 Extrema pobreza – Renda per capita de até R$70,00 por mês, ou pouco mais de R$2,00 por dia.

Referências Bibliográficas

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Ind020202 – Taxa de mortalidade específica por doenças diarreicas agudas em menores de 5 anos de idade, por ano, segundo região [Internet]. Rio de Janeiro: Portal Determinantes Sociais da Saúde. Observatório sobre Iniquidades em Saúde. CEPI-DSS/ENSP/FIOCRUZ; 2012 Jan 30 [acesso em 24 maio 2013]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind020202-20120130.pdf

Ind020203 – Taxa de mortalidade específica por infecções respiratórias agudas em menores de 5 anos de idade, por ano, segundo região [Internet]. Rio de Janeiro: Portal Determinantes Sociais da Saúde. Observatório sobre Iniquidades em Saúde. CEPI-DSS/ENSP/FIOCRUZ; 2012 Jan 30 [acesso em 24 maio 2013]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind020203-20120130.pdf

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