Como explicar o aparente paradoxo da violência no Nordeste do Brasil?

Indicador do Observatório sobre DSS mostra que a violência acomete principalmente aqueles com 4 a 7 anos de escolaridade (Imagem:

Indicador do Observatório sobre este tema: ind020211

O indicador 020211, analisado em outra ocasião pelo nosso observatório, apresentou um panorama da violência no Brasil por macrorregiões segundo a escolaridade. Naquela ocasião nos chamou atenção o fato dos homicídios apresentarem queda nas regiões Sul e Sudeste e aumento no Nordeste (NE) (2001-2009), região onde proporcionalmente houve grande crescimento econômico e maior diminuição das desigualdades sociais (redução do índice de Gini). Esses resultados provocaram o seguinte questionamento: como explicar o aparente paradoxo entre o aumento da violência no NE com a concomitante redução das desigualdades sociais?

Apesar do último Mapa da Violência demonstrar que, desde 2003, o Brasil vem reduzindo as suas taxas de mortalidade, o que assistimos, na realidade é a redução em apenas uma parte do Brasil, ou seja, uma diminuição desigual da violência entre as regiões. Enquanto na região Sudeste, São Paulo se destaca na redução dos homicídios e o Rio de Janeiro apresenta uma queda controversa, nas regiões Norte e Nordeste ainda persiste a tendência de aumento de homicídios. Segundo o Professor José Maria Nóbrega Júnior, da Universidade Federal de Campina Grande (PB), a violência vem crescendo em ritmo devastador no NE desde, pelo menos, meados da década de 1990, com destaque para os jovens do sexo masculino, vitimados em sua maior parte por arma de fogo. A taxa de mortalidade por homicídios considerada aceitável pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) é de menos de dez homicídios por cem mil habitantes. No Brasil, o NE é a região mais violenta tanto em números absolutos quanto em taxas por cem mil habitantes, segundo o Mapa da Violência. Em 2008, a taxa foi de 31,5 homicídios por cem mil habitantes (SIM/MS). Apesar de o crescimento da violência ocorrer no NE como um todo, Pernambuco, Alagoas e Bahia se destacam em relação aos demais estados desta região, sendo responsáveis por praticamente 2/3 dos homicídios no NE, aponta o Professor José Maria Nóbrega Júnior.

Entre 2001 e 2008 o declínio da desigualdade de renda no Brasil foi substancial e contínuo, acompanhado de uma expressiva redução da pobreza. As políticas de distribuição de renda do governo federal, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF), foram fundamentais para a queda da desigualdade e a melhoria na condição de vida das pessoas, segundo pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica (IPEA). Porém, uma das perguntas que persiste é: a melhoria de indicadores socioeconômicos não deveria refletir positivamente na queda da criminalidade e da violência? Evidências científicas apontam há muitas décadas para relação positiva entre desigualdade/pobreza com a criminalidade. No entanto, os dados de homicídio na região NE contradizem essas evidências. Conforme demonstra o Professor Nóbrega Júnior, em todos os estados do NE houve uma redução dos domicílios considerados pobres, indicador importante para análise da dinâmica da pobreza (IPEADATA).

Já em relação aos homicídios, no período de 2001 a 2005, houve crescimento significativo desse tipo de violência em todos os estados do NE, inclusive naqueles mais pobres, onde houve melhoria em alguns importantes indicadores socioeconômicos (SIM/MS). A relação entre os indicadores socioeconômicos e os homicídios é controversa, o que sugere ser pouco provável que a melhoria estrutural seja condicionante para o controle e redução da violência homicida, ou ao menos ainda deve ser questionada. Entretanto, não podemos descartar também a possibilidade de que a redução das iniquidades sociais no NE, apesar de terem sido significativas, ainda não tenha atingido um patamar capaz de influenciar as taxas de violência. Fenômenos semelhantes ocorreram entre o NE e o resto país em relação à mortalidade infantil, mortalidade por diarreia, dentre outros agravos. Enquanto o Brasil melhorava esses indicadores, o NE sempre estava atrás, até que as melhorias de condições de vida realmente alcançassem valores próximos ao restante do Brasil. Além das questões relacionadas a fatores socioeconômicos, sugere-se que outros componentes possam estar associados ao aumento da taxa de homicídios no NE, como a relação entre efetivo policial e os homicídios.

O maior déficit de pessoal da polícia civil per capita está na região NE, que poderia ser um problema na condução de investigações, inquéritos e cumprimento da lei. Entretanto, no Piauí, onde houve crescimento do efetivo das polícias, não houve reflexo na redução dos homicídios, que continuaram na ascendente independente do aumento no efetivo policial. Diante da fraca relação entre o efetivo da polícia e a taxa de homicídios, outra hipótese parece ser plausível para explicar o paradoxo da violência do NE do Brasil: a falta de confiança social da população, o chamado capital social, que engloba a confiança interpessoal e nas instituições, e parece ser fundamental inclusive para segurança pública. Os países com menor coesão social e menor capital social são os que menos investem em capital humano e é onde se observa menor participação social, com óbvias consequências em termos de políticas sociais, inclusive para aquelas direcionadas à saúde e a própria segurança. Nóbrega Júnior explica que a combinação de um fraco capital social com alta impunidade afeta o comportamento de delinquentes, que sabem que ao cometerem um assassinato terão altas chances de ficarem impunes, e, na hipótese de serem presos, poderem escapar com facilidade dos presídios, não se sentem constrangidos em agir repetidamente. Apesar do esforço e do investimento do governo brasileiro em áreas sociais, a queda da criminalidade no NE não vem respondendo de maneira satisfatória. A violência relacionada a homicídios cresce independentemente de investimentos/esforços do governo e da diminuição da desigualdade e da pobreza.

O indicador 020211 do nosso Observatório mostra que a violência acomete principalmente aqueles com 4 a 7 anos de escolaridade. Entretanto, a evolução dos indicadores de educação ainda deixa a desejar, principalmente no NE. Conforme discutimos em notícia anterior, a educação tem sido um canal para mobilidade social e empoderamento, que permite que as pessoas melhorem a sua posição socioeconômica na sociedade. Além disso, reduz as divisões sociais e melhora a coesão social pela redução das desigualdades de renda e de outros indicadores sociais, além de promover uma maior concordância entre grupos (Dahlgren & Whitehead, 2007). Entendemos, assim, que políticas fortes de educação podem representar um caminho em potencial para redução de homicídios, além da forte influência em desfechos de saúde. A violência resulta da complexa e dinâmica interação entre múltiplos determinantes que incluem fatores individuais, relacionais, comunitários e sociais, com dimensões relacionadas à educação, saúde e desenvolvimento social, e deve, portanto, ser enfrentado por diversos setores da sociedade e do Estado. Segundo Maria Fernanda Peres, do Núcleo de Estudos da violência/ USP, estratégias de prevenção multisetoriais e integradas que passem necessariamente por medidas estruturais para a redução das desigualdades, tornam-se fundamentais para a prevenção da violência. Além disso, a redução da impunidade e as reformas nos sistemas policial, penitenciário e judiciário, são necessárias para reduzir o sentimento de insegurança da população brasileira.

Referências Bibliográficas

Barros AC. Falsa queda de homicídios no Rio é escândalo, diz membro do Ipea [Internet]. Terra Magazine; 2011 Out 25 [acesso em 08 mar 2013]. Disponível em: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5434370-EI6578,00.html

Barros R, Carvalho M, Franco S, Mendonça R. Uma análise das principais causas da queda recente na desigualdade de renda brasileira. Econômica [periódico na internet]. 2006 [acesso em 08 mar 2013];8(1):117-147. Disponível em: http://www.uff.br/revistaeconomica/V8N1/RICARDO.PDF

Dahlgren G, Whitehead M. European strategies for tackling social inequities in health: Levelling up Part 2. Copenhagen: World Health Organization Regional Office for Europe; 2007. (Studies on social and economic determinants of population health, No. 3).

Ind020211 – Taxa de mortalidade específica por homicídios na população de 15 anos e mais, por ano, segundo região e escolaridade [Internet]. Rio de Janeiro: Portal Determinantes Sociais da Saúde. Observatório sobre Iniquidades e Saúde. CEPI-DSS/ENSP/FIOCRUZ; 2012 Jan 30 [acesso em 08 mar 2013]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind020211-20120130.pdf

Nóbrega Jr JM. Os Homicídios no Nordeste Brasileiro. In: Segurança, Justiça e Cidadania: O Panorama dos Homicídios no Brasil. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública; 2011.  Ano 3, n. 6, p. 31-71.

Peres MFT. Violência por armas de fogo no Brasil – Relatório Nacional. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência, Universidade de São Paulo; 2004.

Vettore M, Lamarca G. A violência como expressão da falta de coesão social: o que o relatório da ONU-Habitat revela sobre esse reflexo da desigualdade social? [Internet]. Rio de Janeiro: Portal DSS Brasil; 2012 Out 11 [acesso em 08 mar 2013]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/?p=11292&preview=true

Waiselfiz JJ. Mapa da violência dos municípios brasileiros – 2008. Brasília: RITLA; Ministério da Saúde; Ministério da Justiça; São Paulo: Instituto Sangari; 2008.

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