Publicado o Relatório da Comissão Lancet sobre Governança Global para a Saúde

Oslo Comission/ Foto: Divulgação

A Comissão Lancet sobre Governança Global para a Saúde foi lançada em Oslo, em dezembro de 2011, pela revista The Lancet, em resposta a um pedido do ministro norueguês de Relações Exteriores, Jonas Gahr Store, para a criação de uma comissão acadêmica sobre governança global para a saúde, como forma de promover um novo pensamento que superasse a sabedoria convencional. Durante seu mandato a Comissão promoveu pesquisas e análises com o objetivo de fundamentar a necessidade de um envolvimento para além do setor de saúde como modo de enfrentar os principais desafios da saúde global.

A Comissão é formada por dezoito renomados pesquisadores e formuladores de políticas selecionados e convidados pela Universidade de Oslo, buscando trazer diferentes perspectivas geográficas, disciplinares e pessoais. O Reitor da Universidade de Oslo, Ole Petter Ottersen atua como Presidente e Ms Jashodhara Dasgupta da Índia como o vice-presidente. Paulo Buss, Diretor do Centro de Relações Internacionais (CRIS) da FIOCRUZ e Julio Frenk, Diretor da Escola de Saúde Pública de Harvard, são os dois membros latino-americanos dessa Comissão.

O relatório da Comissão intitulado “As origens políticas da iniquidade em saúde: perspectivas de mudança” foi publicado na revista The Lancet em 11 de fevereiro de 2014. Vários  documentos de trabalho apoiaram a elaboração do relatório da Comissão.

A seguir apresentamos o resumo executivo do referido relatório:

Mesmo com o muito já conquistado no campo da saúde nas últimas décadas, a distribuição, em nível global, dos riscos de saúde permanece extremamente e inaceitavelmente desigual. Apesar do setor saúde ter um papel central no combate às desigualdades de saúde, é comum que seus esforços entrem em conflito com poderosos atores internacionais, que possuem interesses distintos, como a segurança e a soberania nacionais, ou objetivos econômicos.

Esse é o ponto de partida da Comissão The Lancet – Universidade de Oslo sobre governança global no campo da saúde. Devido à globalização, é cada vez mais comum que a iniquidade em saúde ocorra por conta de atividades transnacionais que envolvam atores com diferentes interesses e níveis de poder: empresas transnacionais, sociedade civil e outros. Por sua vez, as decisões, políticas e ações desses atores estão fundadas em normas sociais globais. O objetivo último de suas ações não é prejudicar a saúde, mas podem produzir efeitos colaterais negativos que acabam por gerar iniquidades em saúde. As normas, políticas e práticas que emergem da interação política global entre todos os setores que afetam a saúde é o que chamamos de “determinantes políticos globais da saúde”.

A comissão argumenta que os determinantes políticos globais que afetam negativamente a saúde de alguns grupos quando comparados a outros são injustos, e que pelo menos parte dos danos poderiam ser evitados melhorando-se a governança global. É urgente que saibamos como melhor proteger e promover a saúde pública no campo da governança global, mas esse é um assunto complexo e politicamente sensível. A governança global inclui a distribuição de recursos econômicos, intelectuais, normativos e políticos, e, para avaliar seu impacto sobre a saúde, a realização de uma análise de poder é necessária.

Esse relatório analisa as disparidades e as dinâmicas de poder existentes no âmbito de uma série de políticas que afetam a saúde e que, por sua vez, demandam uma melhoria da governança global: crises econômicas e medidas de austeridade, propriedade intelectual, tratados sobre investimentos estrangeiros, segurança alimentar, atividades empresariais transnacionais, imigração ilegal e conflitos violentos. Os casos analisados mostram que, no panorama atual da governança global, assimetrias de poder entre atores com interesses conflitantes influenciam decisivamente os determinantes políticos da saúde.

Identificamos cinco disfunções do sistema de governança global que permitem que os efeitos adversos dos determinantes políticos globais da saúde permaneçam. Primeiro, a participação e a representação de alguns atores, como a sociedade civil, os especialistas em saúde e grupos marginalizados são insuficientes nos processos decisórios (déficit democrático). Segundo, métodos inadequados de contenção de poder e a pouca transparência fazem com que seja difícil responsabilizar atores por suas ações (mecanismos fracos de responsabilização). Terceiro, é comum que normas, regras e processos decisórios sejam insensíveis às mudanças de necessidades e mantenham disparidades de poder enraizadas, o que gera efeitos adversos sobre a distribuição da saúde (imobilidade institucional). Quarto, tanto em nível nacional quanto global, existem mecanismos inadequados de proteção da saúde nas arenas de formulação de políticas externas ao campo da saúde, o que faz com que a saúde fique subordinada a outros objetivos (espaço político inadequado para a saúde). Por fim, em uma série de áreas de formulação política, há uma ausência quase total ou mesmo total de instituições internacionais (como, por exemplo, tratados, fundos, cortes ou formas mais brandas de regulação, como normas e diretrizes) que protejam ou promovam a saúde (instituições inexistentes ou ainda embrionárias).

Reconhecendo que os principais fatores que influenciam negativamente a saúde estão fora do controle dos governos nacionais e, em muitos casos, externos ao setor saúde, afirmamos que algumas das causas mais profundas da inequidade em saúde devem ser enfrentadas através de processos de governança global. Para a continuidade do sucesso do sistema de saúde global, suas iniciativas não devem ser frustradas por decisões políticas tomadas em outras arenas. Pelo contrário, é preciso fazer com que processos de governança global exteriores ao setor saúde funcionem melhor para a saúde.

A Comissão clama pelo fortalecimento da ação global intersetorial pela saúde. Sugerimos a criação de uma plataforma de governança para a saúde que integre múltiplas partes interessadas (Multistakeholder Platform on Governance for Health). Essa plataforma funcionaria como fórum para a discussão de políticas e abriria espaço para que as várias partes interessadas possam apresentar questões, formular agendas, avaliar e debater projetos de políticas que possam afetar a saúde e a equidade em saúde, além de identificar barreiras e propor soluções para a formulação de políticas concretas. Ademais, pedimos que o monitoramento independente da influência de processos de governança global sobre a equidade em saúde seja institucionalizado através da criação de um Painel de Monitoramento Científico Independente e da obrigatoriedade de análises de impacto sobre os níveis de equidade em saúde no âmbito das organizações internacionais.

A Comissão também pede que sejam adotadas medidas que facilitem o controle dos determinantes políticos da saúde. Clamamos por um uso mais robusto dos instrumentos de direitos humanos para a saúde, como os Relatores Especiais e sanções mais firmes contra um amplo espectro de violações cometidas por agentes não estatais através do sistema jurídico internacional.

Reconhecemos que a governança global para a saúde deve estar ancorada nos compromissos com a solidariedade global e a responsabilidade compartilhada através de abordagens baseadas em direitos e em novos modelos de referência de financiamento internacional, que vão além da tradicional assistência ao desenvolvimento — como, por exemplo, o investimento em pesquisa e proteção social. Queremos enviar uma forte mensagem à comunidade internacional e a todos os atores que exercem influência nos processos de governança global: não podemos mais entender a saúde somente como uma questão técnica biomédica, mas reconhecer a necessidade de ações globais intersetoriais e de justiça em nossos esforços de combate à iniquidade em saúde.

Principais Mensagens:

  • É impossível combater as inaceitáveis iniquidades em saúde existentes tanto entre países quanto no interior dos mesmos exclusivamente pelo setor saúde, através de medidas técnicas, ou apenas em nível nacional. Soluções políticas globais são necessárias;
  • Normas, políticas e práticas surgidas de interações transnacionais deveriam ser compreendidas como determinantes políticos da saúde que causam ou mantém as iniquidades em saúde;
  • Assimetrias de poder e normas sociais globais limitam o leque de escolhas e restringem ações de combate à iniquidade em saúde; essas limitações são reforçadas por disfunções sistêmicas na governança global e demandam vigilância em todas as arenas políticas;
  • Avanços no combate às iniquidades em saúde e no controle das forças políticas prejudiciais à saúde deveriam ser monitorados de forma independente;
  • Estados e outras partes interessadas não estatais participantes em arenas políticas globais devem estar melhor conectados para estabelecer um diálogo mais transparente no que tange os processos decisórios que afetam a saúde;
  • A governança global para a saúde deve estar ancorada em compromissos com a solidariedade global e a responsabilidade compartilhada. Desenvolvimento sustentável e saudável para todos requer a existência de um sistema econômico e político global que sirva uma comunidade global de pessoas saudáveis.

 

Referências Bibliográficas

Ottersen OP, Dasgupta J, Blouin C, Buss P, Chongsuvivatwong V, Frenk J, Fukuda-Parr S, Gawanas BP, Giacaman R, Gyapong J, Leaning J, Marmot M, McNeill D, Mongella GI, Moyo N, Møgedal S, Ntsaluba A, Ooms G, Bjertness E, Lie AL, Moon S, Roalkvam S, Sandberg KI, Scheel IB. The political origins of health inequity: prospects for change. Lancet [periódico na internet]. 2014 Feb 15 [acesso em 19 fev 2014];383(9917):630-67. Disponível em: http://download.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140673613624071.pdf

The Lancet – University of Oslo Commission on Global Governance for Health. [acesso em 19 fev 2014]. Disponível em: http://www.med.uio.no/helsam/english/research/global-governance-health/

 

 

 

 

 

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