*Por Joyce Enzler
No sábado, 2/3, integrantes da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde realizaram 1ª Oficina do Projeto da Rede e a 3ª Oficina do Projeto Tecnologias Sociais em Saneamento, na favela Árvore Seca, no Complexo do Lins, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro. O evento aconteceu na sede da organização não governamental (ONG) RenovAmor com o apoio da Associação de Moradores de Santa Terezinha e da ONG A Voz do Lins de Vasconcelos. A iniciativa também contou com a participação da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), que apresentou a Cartilha Água: quem paga tem, e quem não pode pagar, fica sem?. O encontro buscou refletir sobre o direito humano à água e como construir coletivamente Tecnologias Sociais em Saneamento.
Também estiveram presentes no evento o representante da Associação de Moradores de Santa Terezinha, Francisco Valdinar Alves, o integrante da Voz do Lins e pesquisador bolsista do projeto Tecnologias Sociais em Saneamento, Rafael Sousa e os moradores da Árvore Seca, da Cachoeirinha e do Morro do Amor. Para Sousa, esses encontros entre pesquisadores, educadores e moradores são potentes, porque criam vínculos, geram círculos de confiança e promovem a troca de saberes. “O projeto com a Fiocruz tem dado visibilidade às questões sanitárias do Lins. Essa ação introduziu na comunidade a discussão sobre desafios nos temas de saúde e saneamento básico nesse território”, declarou Sousa.
A pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e coordenadora desses dois projetos, Adriana Sotero, expôs que o Projeto Tecnologias Sociais em Saúde na Bacia Hidrográfica do Canal do Cunha tem a coordenação colegiada dos pesquisadores do Departamento de Saneamento e Saúde Ambiental (DSSA/Ensp/Fiocruz) e da Coordenação de Cooperação Social da presidência da Fiocruz, com as parcerias de pesquisadores do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Sotero enfatizou que tanto as unidades e a Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, quanto a FASE são integrantes da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde por isso os dois eventos foram condensados naquele momento.
Sotero contou que no Projeto Tecnologias Sociais em Saneamento e Saúde foram realizadas três oficinas no Complexo do Lins, em diferentes espaços, sempre contando com a parceria das associações de moradores e lideranças locais. E essa 3ª. oficina fez parte da etapa de pesquisa-ação que propiciou encontros com o objetivo de pensar coletivamente soluções para a falta de saneamento adequado no território, além de mapear nascentes e coletar amostras para avaliar a qualidade da água. “Ainda faremos a quarta oficina no Complexo do Lins, com o intuito de explicar o funcionamento das tecnologias que serão construídas. Estamos coletando água de nascentes, em pontos sugeridos pelos moradores, para definição do local de instalação do biofiltro e bacia de evapotranspiração”, afirmou a coordenadora.
A pesquisadora da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, Rejany Ferreira, e a pesquisadora do Programa de Saúde Pública e Meio Ambiente (PSPMA) da Ensp, Natasha Handam, explicaram que o biofiltro é uma tecnologia para a população ter acesso à água tratada, uma forma alternativa durante a falta ou intermitência do abastecimento de água para a população. E a bacia de evapotranspiração é utilizada no tratamento do esgoto. No final do projeto, essas duas tecnologias serão implantadas no local escolhido após toda escuta e diálogo com os moradores e de acordo com o nível satisfatório para receber os equipamento. “Porque não temos verba para instalar em todas as nascentes. O recurso utilizado veio da Emenda Parlamentar Impositiva do então Deputado Federal Marcelo Freixo”, disse Sotero. A ideia é levar a avaliação da qualidade sanitária das nascentes à prefeitura, para que esta iniciativa seja ampliada, beneficiando mais pessoas.
“Importante destacar que todo o processo de construção coletivo tem sido positivo porque a Rede consegue agregar uma diversidade de parcerias na luta pelo direito à água, ao saneamento e à saúde da população do Rio de Janeiro”, ressaltou Sotero. Por isso é importante formar redes entre os projetos e iniciativas. Atualmente, a Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde é composta por mais de 60 organizações, como universidades, pesquisadores, ONGs, movimentos sociais, sindicatos, partidos e mandatos políticos. E sua atuação principal é a defesa do Mínimo Vital de Água para pessoas que foram historicamente alijadas dos direitos sociais fundamentais. Em março de 2023, o Núcleo de Defesa do Direito do Consumidor (Nudecon) e o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública Estadual do Rio de Janeiro, com apoio da Rede, entraram com a Ação Civil Pública do Mínimo Vital de Água. Essa ação visa garantir gratuidade no fornecimento de 25m³ de água potável por mês para famílias em situação de vulnerabilidade.
Apresentação da cartilha “Água: quem paga tem, e quem não pode pagar, fica sem?” pela FASE
Os educadores populares da FASE, na parte da 1ª. Oficina do Projeto da Rede de Vigilância Popular em Saneamento, Bruno França e Clara de Lima, apresentaram e distribuíram a cartilha Água: quem paga tem, e quem não pode pagar, fica sem? , financiada pelo Projeto da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, financiado por emenda parlamentar do então deputado federal Alessandro Molon, para moradores, pesquisadores e bolsistas envolvidos na oficina. Segundo França, a cartilha nasceu dentro do projeto de fortalecimento da Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde, coordenado pela pesquisadora Adriana Sotero, com o objetivo de apoiar a realização de oficinas para debater o tema do acesso à água em alguns territórios que integram a Rede. Além disso, esse material informativo tem a perspectiva de informar como foi o processo da concessão dos serviços de abastecimento e distribuição de água e de coleta e tratamento de esgotos no estado.
Outro aspecto importante na cartilha é garantir ferramentas de acessibilidade para pessoas que têm alguma dificuldade de leitura, baixa escolaridade ou alguma deficiência visual ou com deficiência auditiva, de acordo com o enfoque da Educação Inclusiva. Essa perspectiva, em vez de tentar encaixar todos em um padrão, ajusta-se para atender à diversidade do indivíduo, contribuindo com o seu desenvolvimento, potencialidade e aprendizagem. “A FASE disponibilizou, em vídeo, um resumo da cartilha traduzido para libras, com audiodescrição e legenda, então isso também é um elemento que amplia o alcance desse material”, ressaltou França.
De acordo com o educador, a nova lei do saneamento abriu as porteiras para a privatização. No momento, em que médicos e cientistas indicavam lavar mãos, higienizar as casas, as frutas e os legumes, faltava água em várias favelas e periferias e, inacreditavelmente, acontecia o leilão dos serviços da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), na pandemia da Covid-19, em 2021. “Então, o processo de privatização se consolidou no contexto de isolamento e com pouca possibilidade de engajamento da sociedade. A Rede de Vigilância Popular em Saneamento e Saúde foi criada, nesse processo de resistência contra a concessão”, informou França.
A precarização do saneamento e as constantes faltas de águas contribuem com a disseminação de doenças, especialmente nos espaços urbanos com maior aglomeração de pessoas. Para França, a situação piorou após a concessão, porque mesmo com um atendimento precário para as favelas e periferias, a Cedae tinha uma dinâmica de fornecimento de águas para esses locais. “Hoje, as empresas privadas, não necessariamente precisam atuar nas favelas. Elas podem se desresponsabilizar se a favela for considerada uma área não urbanizada ou com falta de segurança. Porém, podem cobrar desses locais, mesmo sem investir na infraestrutura”, relatou.
Moradora do Lins relata a importância da organização coletiva
Segundo a moradora da Árvore Seca, Penha dos Santos, as oficinas organizadas pelas pesquisadoras da Ensp/Fiocruz e a apresentação da cartilha pelos educadores da FASE são importantes para os moradores adquirirem mais conhecimento sobre a sua realidade. Para ela, essas iniciativas estimulam no indivíduo mais consciência sobre os desafios e soluções para a sua comunidade.
De acordo com Santos, as próximas oficinas deveriam debater sobre a vala a céu aberto na localidade, porque atrai insetos, ratos e muitas doenças para os moradores. Além disso, a falta de saneamento adequado possibilita tanto a escassez de água quanto as enchentes. Quando chove muito, fica difícil a locomoção pelas ruas.
“Foi a primeira oficina que participei e gostei muito, porque água é importante para tudo: plantas, animais, pessoas. Água é vida. Não é possível viver sem água, por isso deveria ser prioridade da população participar coletivamente de estudos e debates sobre melhorias para a sua comunidade”, finalizou Santos.
* Jornalista colaboradora da Fiocruz, do Dicionário de Favelas Marielle Franco, do Portal de Favelas, do Pavio Curto e do site internacional Pressenza. Mestre em Ciências no Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) e com longa atuação na comunicação comunitária. Também atuou como jornalista em vários sindicatos e revistas, como Black People, Conjuntura Internacional, Nação Brasil e Crítica Social.
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