Em 1977, a 30a. Assembleia Mundial de Saúde aprovou a resolução 30.43 que estabelecia como principal meta dos governos e da OMS nas décadas seguintes o alcance por parte de todos os povos do mundo de um nível de saúde que lhes permitisse levar uma vida social e economicamente produtiva. Tal meta ficou conhecida como “Saúde para Todos”, seguramente a ideia força mais mobilizadora já concebida por um organismo internacional de saúde.
Em 1978, na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, conhecida como reunião de Alma-Ata, “Saúde para Todos” deixou de ser um slogan. Além de conseguir o compromisso político dos governos participantes da reunião que expressam em sua Declaração Final o reconhecimento de que a saúde é um direito humano fundamental e que as chocantes desigualdades no estado de saúde entre países e no interior dos mesmos é política, social e economicamente inaceitável, a reunião de Alma-Ata lançou as bases da estratégia de Atenção Primária da Saúde, como chave para que a meta de Saúde para Todos fosse atingida. Até hoje as bases fundamentais dessa estratégia inspiram reformas nos sistemas de saúde que buscam equidade no acesso e qualidade dos serviços, tal como inspiraram o SUS e seus programas como o de Saúde da Família.
A idéia força da Conferência Mundial sobre DSS (CMDSS) que ocorrerá no Rio de Janeiro de 19 a 21 de outubro, “Todos pela Equidade”, evidentemente busca retomar o espírito de Alma-Ata. Exprime o entendimento de que para lograr “Saúde para Todos” é fundamental que todos participem. A construção da equidade em saúde exige a contribuição de todos os setores do governo, de todos os segmentos da sociedade e da comunidade internacional em ações organizadas por políticas públicas baseadas em evidências que incidam sobre os determinantes sociais da saúde. A grande expectativa com relação aos resultados da CMDSS é que além do compromisso político dos países para o combate às iniquidades, ela consiga, assim como foi possível em Alma-Ata, transformar um ideal em realidade, estabelecendo as bases estratégicas para a promoção da equidade em saúde. Estas bases estratégicas estão formuladas no Documento Básico da Conferência e se expressam nos cinco temas em torno dos quais se desenvolverão os debates e se discutirão experiências: governança/intersetorialidade; papel do setor saúde; participação social; ação internacional e medição e monitoramento das iniquidades em saúde.
Vivemos um momento extremamente propício para sermos otimistas com relação a este desafio. O movimento global ao redor dos DSS desencadeado pela OMS ao criar em 2005 a Comissão sobre DSS (CDSS) tem conseguido manter-se ativo ao longo desses anos e deve ganhar maior impulso com a CMDSS. A CDSS conseguiu colocar os DSS novamente na agenda global e, através de suas diversas atividades, permitiu o acúmulo de uma série de elementos técnicos e políticos que devem facilitar o alcance das expectativas com relação à CMDSS. Os países parceiros da CDSS, entre os quais o Brasil, desenvolveram uma série de políticas e experiências que devem ser avaliadas e compartilhadas. Foram criadas pela CDSS as chamadas “redes de conhecimento (RC)” em nove temas intimamente relacionados com os DSS. Cada RC esteve integrada por especialistas de vários países do mundo que coletaram, analisaram e organizaram o conhecimento produzido nos respectivos temas, por meios de Relatórios Finais das RC. Outra importante linha de ação da CDSS foi a promoção da mobilização da sociedade civil em diversos países, inclusive o Brasil, debatendo questões relativas aos DSS, o que é fundamental para lograr o apoio político necessário às medidas de redistribuição de poder e recursos recomendadas pela Comissão.
Este acúmulo de conhecimentos, experiências e mobilização política conseguido nos últimos anos cria um ambiente propício para o alcance dos objetivos não só da CMDSS como de vários outros eventos relacionados aos determinantes sociais que devem ocorrer nos próximos meses. De fato, além da CMDSS teremos ao final de setembro de 2011 a discussão sobre Doenças Crônicas Não Transmissíveis no âmbito da Assembleia Geral da ONU, onde se espera a definição de metas e estratégias de controle destas enfermidades através da ação sobre os DSS.
Em Novembro teremos a 10a. Conferência Internacional de Saúde Urbana em Belo Horizonte. Esta Conferência deverá discutir como as instituições e os governos podem desenvolver e implementar intervenções que melhorem a equidade na saúde no âmbito das cidades. Serão discutidos vários temas como alterações climáticas, poluição atmosférica, atividade física, serviços de saúde, violência e segurança, transporte, uso de substâncias e populações vulneráveis, habitação e infraestrutura, nos bairros e no ambiente urbano, entre outros. Em junho de 2012 teremos no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (UNCSD, na sigla em inglês), ou a Rio+20, pois ocorrerá 20 anos após a ECO-92. Espera-se que esta Conferência permita chegar a acordos sobre como tornar a economia mais “verde” e obter energia limpa e água potável para todos.
Como vemos, com exceção da Assembleia da ONU, todos os demais eventos ocorrerão no Brasil num período de tempo relativamente curto. Não podemos perder esta oportunidade única para que estes eventos tenham um impacto importante nas políticas públicas do país relacionadas aos temas tratados nestas reuniões internacionais de alto nível, todos eles relacionados com os determinantes sociais da saúde. Para que isto ocorra é necessário um aprofundamento do debate destes temas por todos os setores de governo e da sociedade civil, o que tem sido o objetivo deste Portal. Como vimos, há muitas razões para otimismo e não podemos esquecer que os determinantes sociais não são uma fatalidade, mas produto da ação humana que, portanto, podem e devem ser transformados pela ação humana organizada.
Referências Bibliográficas
Declaração de Alma-Ata. In: Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. 1978 Set 6-12; Alma Ata, Cazaquistão.
Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.
World Health Organization [homepage na internet]. Geneva: WHO; c2011 [atualizada em 2011 Set 2; acesso em 2011 Set 2]. Social determinants themes; [aproximadamente 9 telas]. Disponível em: http://www.who.int/social_determinants/themes/en/index.html
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