Superar vulnerabilidades requer políticas específicas e experiência intersistêmica

Rômulo Paes de Sousa

Como o senhor analisa as relações conceituais e operacionais entre programas de combate à pobreza e programas de combate às iniquidades sociais?

A grande conexão que há entre essas duas abordagens é que ambas indicam uma evolução nas abordagens das políticas públicas, saindo de um contexto em que os sistemas setoriais atuam de forma isolada, para buscar uma articulação transversal e intersetorial em programas complexos. Então, a questão das iniquidades em saúde busca transitar para fora do sistema fechado de saúde, visando uma articulação com outros sistemas de políticas sociais e proteção social. O programa da superação da extrema pobreza vai além das políticas sociais; busca uma interface com a inclusão produtiva, onde as políticas sociais interagem com as políticas econômicas. Então, nos dois casos, observamos uma busca de superação dos limites das abordagens setoriais fechadas: essa é a principal convergência. Obviamente, do ponto de vista programático, há uma enorme sobreposição de agenda de políticas públicas nos dois casos.

Qual o conceito de desenvolvimento social que fundamenta as ações do MDS?

As vulnerabilidades, quando instaladas ou em vias de se instalarem, que acometem uma parcela importante da população requerem uma abordagem de política pública que proteja os indivíduos desse contexto desfavorável. Isso se traduz, na verdade, em ampliar o acesso desses indivíduos a um conjunto de bens e serviços públicos e não públicos, para que possam compartilhar uma vida social em igualdade de direitos. Então, essa superação dos déficits implica construir políticas específicas para que esses indivíduos possam ingressar num patamar de cidadania que os levem a uma condição mais igual.

Quais os obstáculos que enfrentam políticas e programas intersetoriais, como o presente programa de combate à miséria? O Brasil dispõe de mecanismos eficientes de coordenação intersetorial?

Nenhum plano novo consegue se viabilizar se não houver condições que antecedam à sua implementação e que já signifiquem o que se pretende alcançar numa escala maior. Quando se implementa uma nova abordagem intersistêmica, como é o caso, é preciso que haja experiências prévias já desenvolvidas numa escala menor, ou seja, nos municípios ou no Estado, que sirvam de referência como uma espécie de imagem-objeto de onde se quer chegar. Alguns municípios já chegaram a essa maturidade em termos de políticas públicas. O Brasil, portanto, tem maturidade suficiente pra isso.

Há uma percepção das limitações dessas abordagens. Estamos batendo no teto em alguns casos. Isso se dá porque houve um processo de enriquecimento muito rápido no Brasil recentemente e se perceberam os limites da inclusão via mercado pura e simples. Na verdade, vamos dar ênfase no atendimento a 16 milhões de 250 mil pessoas que, por conta desses déficits, têm dificuldade de aproveitar as oportunidades que estão postas. Por isso, vamos ter que redesenhar programas quando for o caso, fazer abordagens mais específicas e outros, sempre de maneira coordenada. No caso do governo federal, já temos uma instância criada para esse gerenciamento. Agora estamos desenhando para as instâncias subnacionais os modelos que deveriam funcionar em nível estadual e municipal, mas, obviamente, entendendo a autonomia que cada uma dessas instâncias tem de definir suas próprias estruturas. O que vamos fazer é apresentar alternativas no processo de pactuação que já está em curso.

Como o senhor entende o conceito de “saúde em todas as políticas”? Esse conceito ajuda ou dificulta um esforço intersetorial para o combate às iniquidades em saúde?

Nós temos que separar os conteúdos das estratégias de comunicação entre os setores. Existem, em relação aos conteúdos, componentes de desenvolvimento humano que vão aparecer de forma transversal a todas as políticas. Em relação à política que seja protagonista, as dimensões coadjuvantes estão presentes e são identificadas. Podem ser marcadas do ponto de vista orçamentário; podem ser identificadas em qualquer processo de planejamento. Agora, quanto à questão da comunicação disso entre as corporações e entre os segmentos, é preciso ter uma abordagem adequada para não sugerir uma competição em termos de responsabilidades ou alocação de recursos. Então, é preciso que se separe o que é conteúdo, que precisa ser ressaltado, e as estratégias eficazes para conseguirmos um processo de cooperação – e que não se obtenha o resultado exatamente oposto, sugerindo a competição, quando não é o caso.

Ouça o áudio da entrevista de Rômulo Paes de Sousa

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