Instalações sanitárias adequadas são usadas por menos de dois terços da população mundial, ou seja, 2,6 bilhões de pessoas não utilizam um sistema de fossa séptica ou têm acesso a uma latrina ou saneamento conectado a uma rede pública de esgoto com tratamento. Essa informação alarmante presente do relatório OMS/UNICEF em 2010 apresenta um panorama do saneamento global e deixa clara a presença de disparidades internacionais marcantes, que se estendem para a realidade brasileira (OMS/UNICEF, 2010).
Segundo o último censo (IBGE, 2010), além de deficiências nos sistemas de eliminação de dejetos, existem também no Brasil desigualdades regionais no que diz respeito ao saneamento. Enquanto no Sudeste 82,3% dos domicílios possuem saneamento adequado, no Norte esta cobertura é de 22,4%. Essas diferenças também ocorrem em termos de serviços ofertados à população urbana e rural, sete em cada dez pessoas sem saneamento adequado vivem em áreas rurais, apesar do número de pessoas em áreas urbanas sem saneamento adequado estar aumentando por causa do crescimento rápido e desorganizado desse grupo. Assim, tais variações vão desde a qualidade do serviço prestado até disparidades na oferta entre os estratos sociais.
Todos reconhecem a importância do saneamento e da oferta de água tratada para a saúde e o bem-estar humano. A questão crítica atual é como acelerar o progresso rumo a alcançar a Meta de Desenvolvimento do Milênio referente ao acesso universal aos serviços de saneamento e abastecimento de água, uma vez que o Brasil ainda está longe alcançá-la devido às iniquidades sociais tanto em nível micro como macro estruturais. Atualmente, o brasileiro consume em média 150 litros de água por dia e 80% da água consumida se transforma em esgoto. Segundo o Ministério das Cidades, apenas 44,5% da população brasileira está conectada a rede de esgoto, e em relação ao esgoto coletado, somente cerca de 40% é tratado (SNIS, 2009).
Para nossa tristeza, o Brasil é o 9º colocado no ranking mundial “da vergonha”, com 13 milhões de habitantes sem acesso a banheiro no domicílio (OMS/UNICEF, 2010). Este ranking se relaciona diretamente com o fato de que por ano 217 mil trabalhadores precisam se afastar de suas atividades devido a problemas gastrointestinais ligados a falta de saneamento. A cada afastamento são perdidas 17 horas de trabalho. Além disso, a probabilidade de uma pessoa com acesso a rede de esgoto faltar as suas atividades normais por diarréia é 19,2% menor que uma pessoa que não tem acesso à rede (Trata Brasil/FGV, 2010). As diarréias respondem por mais de 50% das doenças relacionadas a saneamento básico inadequado, sendo responsáveis também por mais da metade dos gastos com esse tipo de enfermidade. O estudo de Kronemberger e Júnior para o “Trata Brasil” confirma ainda a associação entre saneamento básico precário, pobreza e índices de internação por diarreias.
Todos os desfechos indesejados no trabalho também se revertem em um alto custo para a saúde pública, porque de acordo com o DATASUS, em 2009, dos 462 mil pacientes internados por infecções gastrointestinais, 2.101 faleceram no hospital, com um custo médio de R$ 350,00 por internação. Com o acesso universal ao saneamento, haveria uma redução de 25% no número de internações e de 65% na mortalidade, ou seja, 1.277 vidas seriam salvas (Trata Brasil/FGV, 2010).
No Brasil, a proporção de domicílios com saneamento adequado subiu de 45,3% em 1991 para 56,5% em 2000 e 61,8% em 2010. Nas cidades com até 5 mil habitantes estas proporções passaram de 9,7% em 1991 para 21,7% em 2000 e 30,8% em 2010. Já nas cidades com mais de 500 mil habitantes, os percentuais eram de 73,6% em 1991, 79,7% em 2000 e 82,5% em 2010 (IBGE, 2010). Apesar dos indicadores apresentarem melhorias, investe-se muito pouco em saneamento no Brasil, o que torna a universalização do acesso muito distante. Deveriam ser investidos 0,63% do PIB, mas efetivamente são investidos apenas 0,22%. O estudo do Trata Brasil “De Olho no PAC”, que acompanha a execução de 101 grandes projetos de saneamento em municípios com população acima de 500 mil habitantes, mostrou que no período de dois anos, entre 2008 e 2010, somente 4% das obras foram finalizadas. Cerca de 60% destas obras estão paralisadas, atrasadas ou ainda não foram iniciadas (Trata Brasil – De Olho do PAC, 2011)
Em entrevista ao Trata Brasil, Leodegar Tiscoski, Secretário Nacional de Saneamento, do Ministério das Cidades, explicou que existem dificuldades históricas que atrasam o progresso do setor de saneamento no Brasil. Relata que o setor de saneamento ficou fora das prioridades por muito tempo, com algumas exceções em alguns estados, e isso gerou uma série de conflitos dentro do próprio setor. Apesar disso, se mostrou otimista sobre o futuro do saneamento no Brasil e sobre o alcance das metas do Plano Nacional de Saneamento, afirmando que essas metas serão alcançadas até 2031. Leodegar Tiscoski enfatizou que muitos gestores públicos estão conscientes sobre a necessidade de investir em saneamento. Além disso, sofrem pressão do próprio governo federal para realizarem seus planos municipais de saneamento até o final de 2013, com intenção de colocar em prática no início de 2014.
Os gestores deveriam entender que os benefícios econômicos de um saneamento adequado são persuasivos. A cada US$ 1 investido na melhoria do saneamento, se traduz em um retorno médio de US$ 9. Esses investimentos seriam especialmente benéficos para crianças pobres residentes em comunidades carentes (OMS/UNICEF, 2010). Além de gerar benefícios para saúde, o saneamento adequado reduz taxas de mortalidade, encoraja as crianças a irem à escola, reduz as faltas ao trabalho e aumenta a produtividade do trabalhador, e pode ainda proporcionar a valorização dos imóveis. O saneamento básico serve como ferramenta capaz de reduzir e até erradicar a pobreza e a marginalização, além de reduzir as desigualdades sociais e regionais. A concretização de tais objetivos dará dignidade a qualquer cidadão visto que é um direito garantido constitucionalmente.
Referências Bibliográficas
[Bloco 1] Ciclo de Entrevistas Trata Brasil – Leodegar Tiscoski [vídeo]. [acesso em 5 jan 2011]. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=NUKj3GcQYf8&feature=player_embedded
[Bloco 2] Ciclo de Entrevistas Trata Brasil – Leodegar Tiscoski [vídeo]. [acesso em 5 jan 2011]. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=oIRFL8NbkZU&feature=related
[Bloco 3] Ciclo de Entrevistas Trata Brasil – Leodegar Tiscoski [vídeo]. [acesso em 5 jan 2011]. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=UqFxFd9V54s&feature=related
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Síntese dos Indicadores de 2009. Rio de Janeiro: IBGE; 2010 [acesso em 4 jan 2011]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/pnad_sintese_2009.pdf
Instituto Trata Brasil. Fundação Getulio Vargas. Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento Brasileiro. São Paulo: Instituto Trata Brasil/FGV; 2010 [acesso em 4 jan 2012]. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/novo_site/cms/files/trata_fgv.pdf
Instituto Trata Brasil. Acompanhamento do PAC Saneamento em 2010: análise comparativa com 2009. São Paulo: Instituto Trata Brasil; 2011 [acesso em 4 jan 2012]. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/deolhonopac/relatorio_final_PAC.pdf
Kronemberger DMP, Júnior JC. Esgotamento sanitário inadequado e impactos na saúde da População. São Paulo: Instituto Trata Brasil; 2010.
Monteiro JRR. Planasa: analise de desempenho. [S.l.: s.n.]; 1993.
SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento [homepage na internet]. Brasília (DF): Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental; c2011 [atualizado em 4 jan 2012; acesso em 4 jan 2012]. Disponível em: http://www.snis.gov.br
WHO/UNICEF Joint Monitoring Programme for Water Supply and Sanitation. Progress on Sanitation and Drinking-water: 2010 Update. Switzerland; 2010 [acesso em 4 jan 2011]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789241563956_eng_full_text.pdf
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