Conferência Regional vai aprofundar discussões sobre políticas para vencer a pobreza no Nordeste

Saneamento básico continua sendo grande desafio (Imagem: Fiocruz)

Informações do Censo Demográfico brasileiro, realizado pelo IBGE em 2010, evidenciam que as regiões Norte e Nordeste continuam a apresentar os piores indicadores de pobreza e de desigualdade quando comparadas às demais regiões do país. Neste contexto, destacamos alguns indicadores oriundos deste último Censo que justificam os esforços para aprofundamento dos “porquês” desta tendência no nosso país.

Em primeiro lugar o analfabetismo, considerado uma forma de exclusão social das mais severas nas sociedades contemporâneas. O estudo “Indicadores Sociais Municipais: uma análise dos resultados do universo do Censo Demográfico” aponta que sua erradicação continua a ser um dos grandes desafios para os países em desenvolvimento. A alfabetização é uma ferramenta muito eficaz para combater a pobreza e a desigualdade, melhorar a saúde e o bem-estar social, e estabelecer as bases para um crescimento econômico sustentado e para uma democracia duradoura. O estudo evidencia que os menores municípios, com população de até 50.000 habitantes da região Nordeste, são aqueles cujos resultados são mais desfavoráveis, apresentando uma média de analfabetismo para população de 15 anos e mais de idade em torno de 28%. É importante também destacar que, nestes municípios, o índice de pessoas idosas que não sabem ler e escrever é extremamente elevado, em torno de 60%. No caso do analfabetismo de jovens, a situação da Região Nordeste é também preocupante, na medida em que mais de ½ milhão (502.124) de pessoas de 15 a 24 anos de idade declararam ao Censo 2010 que não sabiam ler e escrever. Na Região Sul e Sudeste, regiões mais desenvolvidas socioeconomicamente, nos municípios de mesmo porte tais proporções são bem mais baixas.

Outro indicador importante para reforçar o contexto de nossa discussão é o saneamento básico. Boas condições de saneamento do domicílio são essenciais para garantir o bem-estar da população. Para a Organização Mundial de Saúde – OMS o acesso à rede de fornecimento de água potável, de esgotamento sanitário e coleta de lixo deve ser garantido e a criação e a manutenção dessas condições requerem investimentos em obras e constantes melhoramentos. Portanto, o saneamento é outro grande desafio, especialmente num país de dimensões continentais como é o caso do Brasil. Boas condições de saneamento não só melhoram a saúde da população como também melhoram as condições do meio ambiente. Ainda de acordo com a OMS, doenças relacionadas com os sistemas precários de água e esgoto, e a deficiências de higiene são responsáveis por muitas mortes no mundo todo. A comparação das condições de saneamento entre os municípios por Grandes Regiões também reforçam as expressivas desigualdades espaciais do nosso país. Na Região Norte, por exemplo, apenas 22,4% dos domicílios apresentam condições adequadas de saneamento, enquanto na Região Sudeste esta proporção se eleva para 82,3%.

Um terceiro indicador muito sensível às condições de vida, a taxa de mortalidade infantil, que fornece a frequência de óbitos em menores de um ano para cada 1.000 nascidos vivos, caiu de 29,7‰ (por mil), em 2000, para 15,6‰, em 2010, uma diminuição de 47,5%. No entanto, mais uma vez as regiões Nordeste e Norte apresentaram taxas superiores à nacional (18,5‰ e 18,1‰, respectivamente), enquanto Sul (12,6‰), Sudeste (13,1‰) e Centro-Oeste (14,2‰) encontram-se abaixo da média brasileira. Esta queda tem relação, entre outros fatores, com o controle da desnutrição, que atingia 18,4% das crianças em 1975, chegando a 2,8% em 2009, redução de, aproximadamente, 88%. A vacinação também contribuiu para a melhoria no indicador, tendo a BCG alcançado 100% de cobertura vacinal das crianças de até um ano de idade desde 1995.

Nesse cenário, o Brasil, seguindo uma tendência mundial, tem passado pelos processos de transição demográfica, epidemiológica e nutricional, a partir da segunda metade do século passado, acentuados pela queda na fecundidade e pelo aumento do número de idosos, cujas projeções apontam sua duplicação de 8% para 15% nos próximos 20 anos. As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) constituem o problema de saúde de maior magnitude no Brasil na atualidade, acompanhando um envelhecimento populacional rápido, com expectativa de aumento real das frequências da obesidade e do diabetes como problema populacional sem concomitantes estratégias de proteção e promoção da saúde. Além disso, estas doenças, mais uma vez, atingem fortemente camadas mais pobres da população e os grupos mais vulneráveis, correspondendo a 72% das causas de mortes e de 75% dos gastos com atenção à saúde no Sistema Único de Saúde (SUS).

Essas e outras análises, ao revelarem a liderança da Região Nordeste no ranking de desigualdades no Brasil, reafirmam a pertinência de realizarmos em Recife-PE a 1ª Conferência Regional sobre Determinantes Sociais em Saúde.

A primeira Conferência Regional ocorre subsequente à Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais da Saúde (CMDSS), realizada em 2011, na cidade do Rio de Janeiro. O evento reuniu cerca de 130 países representados por delegações oficiais, além de organizações da sociedade civil e de especialistas de todo mundo. A presença maciça de governos e da sociedade civil expressou a importância que vem assumindo o tema dos determinantes sociais da saúde (DSS) na agenda global culminando com a assinatura da Declaração do Rio, onde representações oficiais dos países presentes reafirmaram que as iniquidades dentro dos países e entre eles são inaceitáveis dos pontos de vista político, social e econômico, e se comprometeram a promover a equidade social e em saúde por meio de ações sobre os DSS.

O Brasil, apoiado em sua tradição de pesquisa e ação sobre os DSS, assim como no trabalho realizado pela Comissão Nacional sobre DSS, teve um papel destacado na concepção, financiamento, organização, definição da agenda temática e elaboração de documentos de trabalho da CMDSS. Todo o esforço brasileiro de preparação e realização da CMDSS deve materializar-se em políticas públicas nacionais setoriais e intersetoriais que permitam a implantação das suas recomendações.

Tendo em vista que estas políticas são fortemente influenciadas pelo contexto onde devem ser implantadas e que o Brasil possui uma grande diversidade de situações regionais, com seus correspondentes DSS, recomenda-se a realização dessa Conferência Regional como forma de corroborar com as discussões em torno de estratégias para a implantação dessas recomendações.

Portanto, a realização da 1ª Conferência Regional sobre DSS no Nordeste tem como principal objetivo contribuir para o desenho de intervenções adequadas ao contexto dessa região para o combate das iniquidades em saúde através da ação sobre os DSS. O Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM), a Fiocruz Pernambuco, é a instituição regional encarregada de liderar o processo de discussão e organização local do evento. Esta instituição tem o apoio técnico, administrativo e financeiro da coordenação nacional envolvendo o Ministério da Saúde, o Conass, o Conasems e a Fiocruz (através do CEPI-DSS/ENSP, CRIS e VPAAPS).

A Fiocruz Pernambuco desenvolve um trabalho sistemático de pesquisa e de ensino em diversos campos da saúde pública, visando à prevenção e ao controle de enfermidades endêmicas agudas e crônico-degenerativas no Nordeste. A integração permanente com os serviços tem propiciado a realização de reflexões sobre os modelos de saúde implantados no estado, na Região e no Brasil e sobre as mudanças nos perfis epidemiológico, nutricional e demográfico da população.

Para promover a mobilização e a discussão entre diversos atores relacionados aos DSS na Região, lançamos este portal, vinculado ao Portal sobre Determinantes Sociais em Saúde. Nele, vamos publicar notícias, opiniões, entrevistas e documentos dando enfoque regional à situação de saúde da região Nordeste.

A realização da 1ª Conferência Regional sobre DSS deve envolver, entre outros atores, os representantes de vários setores das três esferas de governo; representantes da sociedade civil atuante na região Nordeste; especialistas regionais e convidados; instituições de ensino, pesquisa e administração regionais; Organismos de desenvolvimento regional; Conass, Conasems e Abrasco.

Na conferência, espera-se reunir entre 300 a 400 convidados em dois dias de amplo debate acerca das desigualdades na Região. Espera-se, portanto, contribuir com a implementação de políticas públicas que fortaleçam cada vez mais a Região Nordeste no sentido de vencer a barreira da linha de pobreza no país.

Referências Bibliográficas

IDS 2012: Brasil avança rumo ao desenvolvimento sustentável, mas ainda tem muitos desafios a enfrentar [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 Jun 18 [acesso em 21 jan 2013]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=2161&id_pagina=1

Indicadores Sociais Municipais 2010: incidência de pobreza é maior nos municípios de porte médio [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2011 Nov 16 [acesso em 21 jan 2013]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/14124-asi-indicadores-sociais-municipais-2010-incidencia-de-pobreza-e-maior-nos-municipios-de-porte-medio

Vigilância de Doenças Crônicas Não Transmissíveis [Internet]. Brasília (DF): Portal da Saúde. [acesso em 21 jan 2013]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=31877

World Health Organization, UNICEF. Progress on sanitation and drinking-water: 2010 update. Geneva: WHO/UNICEF; 2010 [acesso em 21 jan 2013]. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/publications/2010/9789241563956_eng.pdf

Entrevista com:

2 Comentário

  1. Excelente a iniciativa do Portal NE, pois é uma região do nosso Brasil onde as desigualdes sociais estão presentes com muita força. O texto é esclarecedor e percorre os principais indicadores e seus pontos fracos. Parabéns à Eduarda Cesse e toda equipe pelo empenho!

  2. Realmente é muito importante trazer este debate para o âmbito regional, para unirmos forças e melhorar a saúde do Nordeste com políticas públicas voltadas para a superação do quadro atual. Adorei o texto! Podem contar com meu apoio! abraSUS

Faça um comentário

Seu e-mail não será divulgado.


*