Desenvolvimento regional e sustentabilidade dependem de agenda comum e de novo modelo de produção

Buss criticou organismos internacionais e defendeu a discussão de sustentabilidade e desenvolvimento regional a partir dos determinantes sociais (Foto: Diego Camelo)

A discussão do conceito de sustentabilidade, sua relação com desenvolvimento regional e com os temas saúde e ambiente está na ordem do dia. Para os especialistas que participaram do debate sobre esses assuntos ontem (13), no terceiro dia da Jornada Nacional de Saúde e Ambiente, existe a necessidade de tratar dessas temáticas a partir da determinação social da saúde, pois, reduzindo as desigualdades e iniquidades sociais, será possível reduzir as iniquidades sanitárias e melhorar a saúde da população. As dimensões econômica, social e ambiental devem ser ampliadas e levar em consideração a equidade, a ecoeficiência, a segurança alimentar, a educação e o empoderamento da sociedade. O evento foi promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), no Hotel Sonata, em Fortaleza (CE), entre os dias 11 e 15 de maio.

Para o diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e ex-presidente da Fiocruz, Paulo Buss, a origem das iniquidades em saúde está no modelo capitalista. Suas crises periódicas têm moldado a desigualdade entre países, classes e grupos sociais. Para ele é preciso transformar, mudar o modelo de produção social. “As crises estruturais influenciam o campo da saúde. O modo de produção e de consumo vigentes têm que ser levados em consideração e ser refletidos nos modelos de investigação. Ou colocamos essa dimensão de forma coerente na nossa metodologia de trabalho de pesquisa ou estaremos produzindo conhecimento pouco aplicável à realidade”, ressaltou.

Segundo o diretor do Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (Centro RIO+), Romulo Paes de Sousa, o debate sobre meio ambiente é familiar, assim como da influencia mútua entre as condições socioeconômicas e as condições de saúde. Ele também acredita que há a necessidade de um novo modelo lógico que represente a atual necessidade para produzir, inspirar e orientar políticas públicas visando ao desenvolvimento sustentável. “É preciso olhar a agenda dos riscos e não apenas a da área médica, incorporando competências de outras áreas. Essa é a nossa responsabilidade”, ressaltou. Ele falou da importância de discutir os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), dos quais oito tem interface direta com a área da saúde e serão definidos em Assembleia da ONU, em setembro. Entre temas que devem fazer parte dessa agenda geral de acordo com o diretor do Centro Rio+ estão as cidades sustentáveis, o financiamento do desenvolvimento, o piso de proteção social, fontes de energia para uso intra e extra domiciliar, meio de transporte (mobilidade), planejamento familiar e proteção e consumo de bens.

No momento, existe um debate internacional quanto ao atual modelo de desenvolvimento e o futuro do planeta. Há dados que mostram, por exemplo, que na África há países que vêm crescendo mais de 7% ao ano, mas que o desenvolvimento e o crescimento urbano desordenado contribuíram diretamente para a redução na qualidade de vida e para o aumento da pobreza e dos problemas ambientais nessas localidades. “A discussão já acontece, inclusive, no Brasil e o país pode ir adiante no debate, já que tem expertise técnica e experiência em processos políticos complexos. Uma forma contribuir para o debate é definir para si mesmo uma agenda avançada e mais aprofundada, como fez com os Objetivos do Milênio (ODM), dando o exemplo. Espera-se muito do Brasil, que vem tendo presença importante nas discussões nacionais e nos grandes debates internacionais”, assegurou.

Os governos precisam fazer uma opção: atender aos interesses da indústria ou da população, de acordo com o sanitarista e ex-secretário de Saúde do Ceará Carlile Lavor. “Não podemos prosseguir fugindo dessa discussão. Creio que essa jornada possa nos ajudar a encontrar o caminho”, comentou.

A abordagem dos determinantes sociais da saúde, de acordo com Buss, depende de políticas públicas e ações intersetoriais que levem em conta suas dimensões locais e regionais para seu enfrentamento. “O estado deve usar seu poder de regulação. Algumas agências com forte atuação no país atualmente não defendem os interesses da população. É importante reconhecer quem eles representam”, destacou. O coordenador do Cris/Fiocruz criticou, ainda, a austeridade imposta por organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que prega a redução de investimentos públicos e orçamentos sociais, inclusive da saúde. “Não podemos aceitar e implantar receitas que deram errado em países europeus e levaram ao desmanche do sistema de bem-estar. As reformas das políticas públicas que estão sendo conduzidas pelo Congresso Nacional são absurdas”, desabafou o ex-presidente da Fiocruz. Para ele, é preciso produzir conhecimentos que demonstrem os efeitos desse assalto sobre a população, sobre a saúde e o meio ambiente. Ele também mencionou a necessidade de democratizar a ONU para que a saúde e outros itens de sua agenda deixem de atender e responder aos interesses das grandes corporações e dos países desenvolvidos.

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação (VPAAPS), Valcler Rangel, citou o retrocesso recente e que poder ser ainda maior a partir das ações desenvolvidas nos últimos meses pelo Congresso Nacional. “Podemos perder as conquistas e direitos adquiridos nos últimos anos. Temos muito a conquistar ainda, mas também muito a perder”, refletiu.

Na opinião da coordenadora do Centro de Estudos, Políticas e Informação sobre os Determinantes Sociais em Saúde (CEPI-DSS) da Fiocruz, Patrícia Tavares Ribeiro, a ocasião requer entendimento das mudanças que ocorreram nas últimas décadas na economia, nos governos, na sociedade, na Federação Brasileira e a compreensão de como os determinantes sociais em saúde refletem nessas alterações. “O momento é de mergulhar na consolidação de novas perspectivas teórico-metodológicas para conhecer melhor os problemas do Brasil e superar essa conjuntura crítica pela qual estamos passando. Esse novo referencial não está dado. E esse papel é nosso enquanto Fiocruz”, comentou.

Para Rangel, um dos grandes desafios é reduzir a distância entre a formulação das políticas e a operação e ter essa agenda em comum, que “Precisa não demonstrar apenas os efeitos das políticas econômicas e sociais sobre a saúde, mas construir alternativas para solução desses problemas. Uma forma é aperfeiçoando nossos mecanismos de cooperação para fazer com que a agenda seja, de fato, uma promotora de mudança dos fatos”, declarou, referindo-se ao papel da Fiocruz nesse contexto.

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