O marco teórico em Saúde Urbana
A Saúde Urbana é um dos campos emergentes e relevantes da grande área da Saúde, pautada como estratégica no plano de ação em Ciência e Tecnologia. É entendida como a área de conhecimento emergente aninhada na saúde pública que possibilita re-pensar avaliações de impacto à saúde a partir de intervenções do setor público, não necessariamente originadas da saúde.
A saúde da população vivendo no ambiente urbano é função das influências mundiais, nacionais e locais, numa rede interligada de determinantes, tendo como cerne fundamental a proposta de que o social e o físico definem o contexto urbano e são modulados por fatores (proximais e distais) e atores em níveis múltiplos. Assim, tendências globais, governos nacionais e locais, sociedade civil, mercado e o setor privado modulam o conjunto nos quais estes fatores locais operam.
Dos fatores que primordialmente são modificáveis destacam-se as condições do viver urbano tais como violência, estresse social, mobilidade, mudanças no clima urbano, poluição (ar, solo, água e ruído) combinados com os contrastes sociais e econômicos, além da moradia e trabalho (Figura 1).
Figura 1 Arcabouço teórico da Saúde Urbana (Caiaffa et al, 2008, adaptado de Galea e Vlahov, 2005)
Neste sentido, a saúde urbana é entendida como campo do conhecimento aplicado, com forte vocação social e política, pautada pela capacidade métrica (isto é, criar indicadores próprios de avaliação de impacto das intervenções que podem ter repercussões na saúde), além de estreita associação com a gestão pública e sua intersetorialidade. Com características de interesse social do setor público, a participação do setor privado é ainda muito incipiente, mas com enorme potencial de envolvimento e participação futura.
Por que Saúde Urbana?
A saúde no século XXI está sendo moldada por forças contrastantes. Mudanças demográficas, a globalização, as alterações climáticas, as desigualdades dentro das cidades e o movimento em direção à descentralização da tomada de decisão para o nível local têm implicações e efeitos diferenciais em moradores urbanos.
Em 2008, pela primeira vez na história da humanidade, a maioria da população mundial vivia em centros urbanos; em 2030, cerca de 60% da população estará vivendo em áreas urbanas, aumentando para aproximadamente 75% em 2050. No Brasil, já suplantamos essas estimativas. Em 2010, o censo populacional realizado pelo IBGE mostrou que quase 85% de nossa população já vive em áreas urbanas.
Em geral, as cidades oferecem oportunidades para uma melhor saúde, bem como concentra riscos para a saúde. A rápida urbanização, via de regra, não é acompanhada de um planejamento adequado, superando a capacidade dos governos locais para fornecer infra-estrutura de vida adequada. As cidades de hoje enfrentam uma carga tripla de doença: surtos explosivos de doenças infecciosas relacionadas com facilitadores na transmissão, doenças crônicas relacionadas ao estilo de vida pouco saudáveis potenciado pela vida urbana e, a carga de ondas de acidentes de trânsito, lesões evitáveis, violência e crime.
Violência, estresse social, mudanças no clima urbano, poluição (ar, solo, água e ruído) combinados com os contrastes sociais e econômicos fazem com que a vida urbana seja um fardo significativo para a saúde, e tem sido considerada pela Organização Mundial da Saúde um dos mais significativos problemas de saúde global. Todos estes fatores agravam sobremaneira as desigualdades injustas existentes, amplificando os problemas de acesso desigual à saúde e ao “gap” grande e crescente nos eventos relacionados à saúde.
Neste cenário de sistemas sobrecarregados e implicações de saúde significativas ligadas à urbanização, as cidades precisam de um conhecimento detalhado e informações sobre a saúde e que vão além da saúde, relacionados com o demográfico, econômico, os dados culturais, físicos e ambientais, a fim de ajudar os planejadores e tomadores de decisão na alocação de recursos. Portanto, estabelecer mecanismos de vigilância sanitária urbana e a equidade na saúde urbana é essencial para ajudar a guiar intervenções locais.
A integração das ações no âmbito dos sistemas existentes em ambos os setores de saúde e daqueles que vão além da saúde (comércio, agricultura, transportes, planejamento urbano e desenvolvimento) pode aumentar a influência e sustentabilidade das políticas públicas que têm ou podem resultar na evitação ou minização dos eventos em saúde.
Assim, resumindo, a saúde urbana é um ramo da saúde pública intrinsecamente relacionada aos determinantes sociais em saúde, que estuda os fatores de riscos das cidades, seus efeitos sobre a saúde e as relações sociais urbanas. Os atuais pilares da saúde urbana são: o adensamento de populações; o papel do ambiente físico e social como modelador da saúde das pessoas; a necessidade de aferir os fenômenos tendo como objeto as desigualdades injustas e evitáveis do ambiente físico, social e em saúde, com a elaboração de propostas de intervenções urbanas para a redução das iniquidades.
A Conferência Internacional de Saúde Urbana
A ICUH é um fórum de caráter internacional, composta por cientistas, técnicos, decisores políticos e organizações da comunidade, proposta para troca de ideias/experiências e progressos da investigação e práticas que promovam a saúde dos indivíduos que vivem em áreas urbanas. Idealizada, em 2002, pela Sociedade Internacional para a Saúde Urbana (ISUH) sediada na Academia de Medicina de Nova Iorque, já foi realizada em diferentes cidades do mundo como Toronto, Nova York, Baltimore, Boston, Vancouver, Amsterdam, Nairobi chegando à sua 10ª edição no Brasil. No último ano, o evento em Nova Iorque, reuniu 850 participantes vindos de 44 países.
A ISUH é uma associação de pesquisadores, estudiosos, profissionais e membros da comunidade, trabalhadores e ativistas de diversas disciplinas, cujo trabalho está diretamente relacionado aos efeitos na saúde dos ambientes urbanos e da urbanização. Como patrocinadora da ICUH, vem estimulando e articulando novos locais de realização da conferência na América Latina, Ásia e Austrália, dado o intenso interesse e pertinência da discussão da saúde urbana como uma prioridade internacional.
Cada conferência tem sido organizada por uma instituição selecionada em um país, e apresenta um eixo temático contemporâneo que busca estimular a investigação e discussão de temas relacionados ao impacto do contexto urbano sobre a saúde e o comportamento dos indivíduos. De forma inovadora, as conferências transcorrem em um ambiente transdisciplinar e intersetorial, propiciando amplo conhecimento de políticas e intervenções que buscam solucionar problemas decorrentes do processo de urbanização.
As instituições e suas respectivas cidades que hospedam as conferências estão aninhadas em ambientes urbanos com características propícias e facilitadoras da reflexão da problemática da saúde urbana, tanto do ponto de vista científico quanto de políticas públicas. Assim, ao hospedar a conferência, fornecem oportunidades de reconhecimento prático, incluindo visitas programadas a áreas de intervenções urbanas.
Por que o Brasil?
É objetivo explícito da ISUH sediar a conferência em diferentes cidades e continentes, visando democratizar o debate na sociedade entre os diversos atores envolvidos no tema. A conferência oferece benefícios significativos uma vez que é reconhecida como o principal fórum internacional para debate das questões de saúde urbana. Salienta-se que, à exceção da 8ª. ICUH em 2009, realizada no continente Africano, nenhuma outra foi realizada no hemisfério sul, notadamente na América Latina.
Ainda, o Brasil é sempre mencionado em conferências Internacionais pelas experiências de gestão democrática no planejamento e execução de políticas públicas no âmbito da saúde de sucesso, reduzindo as vulnerabilidades sociais mediante ações integradas de estruturação do espaço urbano.
10a Conferência Internacional de Saúde Urbana (ICUH 2011)
Acontecerá em Belo Horizonte, MG, de 1 a 5 de novembro de 2011, no centro de convenções MINASCENTRO. É sediada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM/UFMG) através do Observatório de Saúde Urbana/Grupo de Pesquisa em Epidemiologia (OSUBH/GPE/CNPq) como parte das atividades de comemoração do Centenário da FM/UFMG 2010-2011. A ICUH 2011 acontecerá paralela ao Congresso Nacional de Saúde (CNS-FM).
Com o tema “Ações da saúde urbana direcionadas à equidade” a ICUH 2011 terá como foco especial as discussões das consequências positivas advindas das intervenções de saúde urbana, bem como as políticas sociais e de saúde pública que são necessárias para resolver tais questões. Ademais de ampla discussão interdisciplinar, a ICUH 2011 terá como ponto auge duas atividades distintas que realçam a cidade de Belo Horizonte, como modelo de governança e de gestão participativa junto à comunidade.
A primeira refere-se às visitas guiadas, como atividade da programação oficial do evento, oferecido em trabalho conjunto com a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (Urbel) às áreas de intervenção dos diversos programas municipais, destacando-se o Projeto Vila Viva, obras do Orçamento Participativo, BH Cidadania, Academias das Cidades, dentre outros, promovendo então espaços de discussão e troca de experiências dirigidas a gestores envolvidos em intervenções na área urbana e seus possíveis impactos na qualidade de vida da população.
Sobre a identidade visual do ICUH 2011
A fim de valorizar o patrimônio histórico de Belo Horizonte, as reformas de revitalização aprovadas por meio do programa Orçamento Participativo da prefeitura e as inúmeras possibilidades de atividades comunitárias orientadas para uma boa saúde, como a prática de atividades físicas e recreativas, a identidade visual da ICUH foi desenvolvida tendo como referência o marco zero da cidade planejada e uma das principais praças de Belo Horizonte, a Praça Raul Soares tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA).
Assim, a identidade visual remete à ideia da harmonização do ser integral com a cidade, buscando a apropriação de seus espaços construídos, reivindicados através de uma gestão pública amplamente fundamentada na responsabilidade social de sua comunidade.
Nesta ótica, a ICUH 2011 está fundamentada em três eixos de discussão: o primeiro dia em que será discutido o atual cenário da saúde urbana; o segundo dia terá como foco as evidências pautadas pela busca da métrica e o terceiro dia pelas ações de intervenções urbanas que podem ter repercussões na saúde dos cidadãos.
Convidamos a todos a visitar nosso endereço eletrônico e participar da ICUH 2011. Entendemos que a troca de experiências do observar e trabalhar as situações de saúde da população em uma cidade ou área geográfica definida em um determinado período ou ponto no tempo é necessário para a compreensão da saúde local. E, nesse olhar, incluir os determinantes sociais da saúde é imperativo no sentido de ampliar essa visão.
Referências Bibliográficas
Caiaffa WT, Ferreira FR, Ferreira AD, Oliveira CDL, Camargos VP, Proietti FA. Saúde urbana: “a cidade é uma estranha senhora, que hoje sorri e amanhã te devora”. Cien Saude Col. 2008;13(6):1785-96.
International Society for Urban Health [homepage na internet]. New York, c2005 [atualizado em 16 set 2011; acesso em 16 set 2011]. Disponível em: http://www.isuh.org/
Ompad DC, Galea S, Caiaffa WT, Vlahov D. Social Determinants of the Health of Urban populations: Methodologic Considerations. J Urban Health. 2007 May;84(3 Suppl):i42-53.
World Health Organization. Our cities, our health, our future: acting on social determinants of health equity in urban settings. Geneva: World Health Organization; 2008.
Entrevista com:
Parabéns, belo artigo e desejo sucesso no grande e importante evento. Uma pena que a data do mesmo é coincidente com a EXPOEPI.
Será bom, quando os homens que dominam politicamente nosso povo se voltarem para entender todos estes problemas aqui muito bem expostos.
Precisamos estar atentos para saber como caminha a participação popular e como funciona o controle social nesse contexto. É preciso que haja mais fiscalização nas políticas públicas em todas as suas fases. Nós enquanto cidadãos temos que interferir e sermos de fato ouvidos. O acesso à informação, assim como formar canais de interlocução, aprendermos a compartilhar o nosso poder com o Estado. Aí sim, estaremos exercendo a capacidade de mobilizar movimentos, organizarmos enquanto pessoa, grupos e debatermos com qualidade, de forma garantir nossos direitos aí sim, estaremos ecercendo o nosso controle social.