Hipertensão arterial: o que influencia a utilização de consultas médicas em ambiente urbano e rural?

Em relação às macrorregiões, em todos os anos analisados (2006 a 2010) a maior prevalência de hipertensão foi encontrada no grupo de menor escolaridade (0 a 8 anos) da região Sudeste/ Imagem: Fotolia

Indicador do Observatório sobre este tema:
Ind020303

 

O indicador 020303 de morbidade do nosso Observatório, sobre a taxa de prevalência da hipertensão arterial na população de 18 anos e mais, segundo região e escolaridade, mostra que a prevalência de hipertensão apresentou pouca alteração no Brasil entre 2006 (21,5%) e 2010 (23,3%). No entanto, os dados desse indicador, oriundos do inquérito telefônico de fatores de risco e proteção para doenças crônicas – VIGITEL, mostra que houve variação da prevalência em função da escolaridade em todos os anos estudados (2006-2010). Essa diferença expressiva ocorreu principalmente nos extremos de escolaridade, onde o grupo de 12 e mais anos de escolaridade apresentou uma prevalência aproximadamente 90% menor do que o grupo de 0 a 8 anos de escolaridade.

Em relação às macrorregiões, em todos os anos analisados (2006 a 2010) a maior prevalência de hipertensão foi encontrada no grupo de menor escolaridade (0 a 8 anos) da região Sudeste. Contudo, todas as regiões apresentaram variações em função da escolaridade, sendo a prevalência de hipertensão praticamente o dobro entre aqueles de menor escolaridade em relação àqueles de maior escolaridade. Os motivos seriam a má alimentação e uma maior prevalência de tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas no estrato de menor escolaridade. Para o Ministério da Saúde, a diferença entre as regiões também pode estar ligada à idade da população. Quanto mais idosos (pessoas com idade acima de 60 anos) em uma região, maior é o indicador. O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, explica que no Rio de Janeiro, por exemplo, onde há maior concentração de pessoas com idade mais elevada, sobretudo entre o grupo feminino, essa prevalência é consequentemente maior.

A hipertensão arterial sistêmica é uma doença crônica que se não for tratada pode levar ao derrame, insuficiência renal ou problemas cardiovasculares. E, por se tratar de uma doença assintomática, seu diagnóstico e tratamento são frequentemente tardios e, por vezes, negligenciados. Além disso, a baixa adesão do paciente ao tratamento prescrito dificulta o controle da pressão arterial. Associando-se também a questões relacionadas à desigualdades sociais no acesso aos anti-hipertensivos, que mesmo previsto por lei, ainda existem muitos pacientes que não têm acesso a esses medicamentos.

De modo geral, os portadores de doenças crônicas colaboram para elevar a demanda e utilização dos serviços de saúde do país. No entanto, qual o padrão de utilização de consulta em áreas urbanas e rurais em pacientes com hipertensão arterial sistêmica? Para responder a essa pergunta, pesquisadores do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ) analisaram dados da PNAD 2008 e afirmam que o acesso está relacionado ao perfil das necessidades de um determinado grupo populacional, que se transformam em demanda e consequente utilização dos serviços de saúde. Os autores relataram a proporção de indivíduos adultos, com 20 anos ou mais, hipertensos e não hipertensos, que consultaram o médico nos últimos 12 meses, por situação do domicílio foi de aproximadamente 70%, sendo 71,8% na área urbana e 63,6% na área rural. Deixam claro, ainda, que essa diferença entre as áreas urbanas e rurais se deve ao acesso aos serviços de saúde que tende a ser menor, seja pelas distâncias a serem percorridas, seja por dificuldade de transporte ou baixa renda em áreas rurais.

Outra questão analisada foi a hipertensão arterial autorreferida.  Tendo em vista que um dos determinantes para utilização dos serviços é a percepção de necessidade de tratamento por algum problema de saúde, os que referiram hipertensão arterial sistêmica utilizaram mais consultas médicas, tanto na área rural quanto urbana, explicam os autores. No entanto, parece ser um paradoxo a associação direta entre hipertensão arterial autorreferida e maior utilização do serviço de saúde. Isso porque a maior prevalência da doença está presente entre aqueles com menor escolaridade e, portanto, com menos acesso aos serviços de saúde. Ou seja, apesar de apresentarem maior carga de doença, e consequentemente necessitarem mais dos serviços de saúde, sabe-se que os estratos mais desprivilegiados da população têm menor frequência de consultas médicas e menor acesso a outros tipos de serviços na área (Boing, 2010). Na realidade, existe um conjunto de fatores associados ao uso de consultas médicas, mas prevalecem àqueles relacionados às baixas condições de vida dos grupos menos escolarizados. Uma hipótese seria que os mais escolarizados conseguem diagnosticar a hipertensão arterial quando ainda assintomática e os menos escolarizados só o fazem quando vão procurar atendimento para alguma complicação renal, ocular, cardíaca, etc., revelando, então, a hipertensão arterial apenas como condição secundária entre esses.

Os pesquisadores do IESC/UFRJ ressaltam que a maior escolaridade implica em mais informação e mais recursos de comunicação, que favorecem o acesso aos serviços de saúde. Na amostra analisada por eles, quanto maior a escolaridade do indivíduo, maior a chance dele ter consultado o médico nos últimos 12 meses. Os autores também citam que a prevalência da doença em mulheres foi maior do que nos homens.  Provavelmente porque as mulheres procuraram mais os serviços de saúde, fato que já se tem um amplo conhecimento, pois apresentam maior preocupação com a saúde e se referem mais a problemas de saúde do que homens. Além disso, as mulheres com menor escolaridade apresentaram prevalência 2,5 vezes maior do que aquelas com maior escolaridade.

Além da escolaridade, a renda familiar per capita também foi associada ao padrão de utilização de consulta médica. Foi observado um gradiente entre os não hipertensos na área urbana que recebem de 1 a 5 salários mínimos e aqueles que ganham mais de 5 salários mínimos, em relação aos que não possuem renda ou recebem até 1 salário mínimo.

A prevalência de consultas médicas é resultado de processos que envolvem diversos fatores. Compreender melhor o consumo dos serviços de saúde requer considerar-se não só necessidade em saúde e diferenças de acesso entre os residentes de áreas urbanas e rurais, mas também reconhecer seus determinantes sociais, como a condição socioeconômica dos indivíduos. Saber que existem diferenças na prevalência de consultas médicas entre os segmentos populacionais, principalmente nos casos relacionados a doenças crônicas, implica que políticas de acesso devem ser implantadas, com o objetivo de reduzir as iniquidades em saúde.

Referências Bibliográficas

Boing AF, Matos IB, Arruda MP, Oliveira MC, Njaine K. Prevalência de consultas médicas e fatores associados: um estudo de base populacional no sul do Brasil. Rev. Assoc. Med. Bras. [periódico na internet]. 2010 [acesso em 09 maio 2013];56(1): 41-46. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ramb/a/xwF9G7BSjhMjT7hctP5RRBQ/?format=pdf&lang=pt

Clipping Secretaria de Vigilância em Saúde [Internet]. Brasília (DF): Portal da Saúde; 2011 Abr 27 [acesso em 09 maio 2013]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/clipping_27042011.pdf

Ind020303 – Taxa de prevalência da hipertensão arterial na população de 18 anos e mais, por ano, segundo região e escolaridade [Internet]. Rio de Janeiro: Portal Determinantes Sociais da Saúde. Observatório sobre Iniquidades em Saúde. CEPI-DSS/ENSP/FIOCRUZ; 2012 Jan 30 [acesso em 09 maio 2013]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind020303-20120130.pdf

Ministro da Saúde relaciona baixa escolaridade à hipertensão [Internet]. São Paulo: Portal Andravirtual; 2011 Abr 29 [acesso em 09 maio 2013]. Disponível em: http://www.andravirtual.com/mostra.asp?noticias=17013&Classe=Sa%FAde#.UZzYmdKcdqO

Moreira JP, de Moraes JR, Luiz RR. Utilização de consulta médica e hipertensão arterial sistêmica nas áreas urbanas e rurais do Brasil, segundo dados da PNAD 2008. Ciên. Saúde Colet. [periódico na internet]. 2011 [acesso em 09 maio 2013];16(9):3781-93. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/vQYCpKq8hRTRmJrXYxXsGjR/?format=pdf&lang=pt

Santa-Helena ET, Nemes MI, Eluf Neto J. Fatores associados a não-adesão ao tratamento com anti-hipertensivos em pessoas atendidas em unidades de saúde da família. Cad. Saúde Pública [periódico na internet]. 2010 [acesso em 09 maio 2013]; 26(12): 2389-98. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/wq3ktCfV7TXV5JtbgFwMnJq/?format=pdf&lang=pt

Entrevista com:

1 Comentário

  1. Será que a idéia agora fazer valer diferenciais de escolaridade para esconder o racismo institucional como um DSS?
    De qualquer modo, está na hora de as pesquisas irem além das constatações de desigualdades e proporem estratégias para correção das iniquidades.
    Então pergunto:como prevenir a HAS entre os mais pobres e menos escolarizados que nem são atendidos pela ESF?
    Como evitar que a única forma de tratamento para os mais pobres e menos escolarizados não seja o serviço de emergência? E seguem outras perguntas para promoção do acesso ao cuidado centrado na pessoa, família baseado em evidência cinetífica.
    Profa. Dra. Isabel Cruz

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