Melhorias no perfil de saúde populacional são acompanhadas por reduções das iniquidades sociais?

Algumas condições de saúde melhoraram no Brasil nos últimos 30 anos. A mortalidade infantil, por exemplo, diminuiu 4,4% ao ano entre 2000 e 2008. Desde 1975, a redução global foi de 86%, e isso ocorreu mais pronunciadamente nas populações mais pobres. O mesmo ocorreu em relação ao estado nutricional de crianças, onde aquelas da classe social mais baixa apresentaram uma melhora significativa em comparação com as de classe social mais alta.

Especialmente no que diz respeito à cárie dentária, houve uma redução bastante drástica na maioria dos países industrializados, assim como no Brasil. Entre os anos de 1986 e 2010 houve um declínio marcante na prevalência de cárie em crianças brasileiras de 12 anos, apesar do mesmo não ter ocorrido entre os jovens de 15 a 19 anos de idade. Segundo o professor Angelo Roncalli, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a diminuição global do número de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) foi de quase 70% entre 1986 e 2010, e de 25% entre 2003 e 2010.

Apesar dos bons resultados, pouco se sabe se essas melhorias em saúde foram acompanhadas também pela redução das desigualdades sociais em saúde. No caso da cárie, apesar da redução acentuada, os resultados dos inquéritos nacionais de saúde bucal de 2003 e 2010 indicam diferenças regionais no CPOD. As áreas mais pobres do Brasil, ou seja, regiões Norte e Nordeste, tiveram o maior índice CPOD, enquanto as regiões mais ricas, as regiões Sudeste e Sul, tiveram os menores níveis de cárie. Os inquéritos apontaram também um aumento significativo na desigualdade da cárie dentária relacionada com a posição socioeconômica em adolescentes brasileiros entre 2003 e 2010.

Os resultados encontrados por Roncallimostram que para a educação, por exemplo, a diferença total aumentou, ou seja, em 2010 havia mais de 3,5 dentes afetados pela cárie no pior nível de escolaridade, cerca de três vezes o valor de 2003. Em relação aos grupos socioeconômicos extremos, o pior nível de escolaridade, em 2003, teve um CPOD 23% maior do que o grupo em melhor situação. Este valor quase duplicou em 2010.

Apesar da redução do CPOD no país e da maior ocorrência de jovens ‘livres de cárie’, houve aumento na desigualdade de renda e educação em relação à cárie em adolescentes brasileiros. Diante desses achados é possível dizer que houve melhorias socialmente desiguais nos níveis de cárie dentária em adolescentes brasileiros entre 2003 e 2010, ou seja, ainda persistem diferenças regionais e desigualdades sociais em saúde bucal nesse grupo.

Para entender esse mecanismo, explica Roncalli,  é preciso levar em consideração a interação entre determinantes sociais em três níveis hierarquicamente distribuídos: o contexto socioeconômico e político, a posição social do indivíduo e as circunstâncias materiais, conforme o esquema proposto pela Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde (CDSS); bem como considerar a situação particular no Brasil, com indicadores socioeconômicos e de saúde em franca melhoria nos últimos anos. Principalmente, é preciso compreender porque houve um aumento das desigualdades sociais em saúde entre os adolescentes se temos políticas e tendências de melhoria de renda que caminham a favor de uma redução das desigualdades.

Roncalli e pesquisadores da University College London, na Inglaterra, explicam que mesmo com políticas sociais do governo, é possível que algumas intervenções de base populacional, que incidam sobre a melhoria da geral saúde da população, também possam aumentar as desigualdades em saúde. Provavelmente isso ocorre porque a doença se concentra nos mais vulneráveis socialmente, que também são as pessoas com menor capacidade de se mover em direção ao estado mais saudável. Além disso, deve-se levar em conta a alta prevalência da doença (cárie dentária) nesse grupo, desde a mais tenra idade. Como as intervenções não conseguem promover melhorias de forma homogênea em todos os estratos, o grupo de risco permanece com a maior carga da doença. E, entre aqueles de baixo risco há um efeito positivo maior, resultando numa concentração de benefícios nesse grupo, ao passo que em populações em risco elevado, existe uma concentração de riscos.

Em termos de saúde pública, é necessário garantir que o declínio da cárie dentária  entre os adolescentes seja mais equitativo. Para implementar o princípio da equidade, explica Roncalli, é fundamental combater essas desigualdades considerando tanto os contextos socioeconômico e político como as políticas públicas em saúde bucal.

 

Referência Bibliográfica

Roncalli AG, Sheiham A, Tsakos G, Watt RG. Socially unequal improvements in dental caries levels in Brazilian adolescents between 2003 and 2010. Community Dent Oral Epidemiol. 2015 Feb 8. doi: 10.1111/cdoe.12156. [Epub ahead of print]

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