Não é a primeira vez que o nosso Portal traz à tona a discussão sobre a decisão pelo tipo de parto no Brasil (Cesarianas no Brasil: uma preferência das gestantes ou dos médicos?). No entanto, o retorno à essa discussão de forma mais aprofundada é necessária devido às publicações oriundas de um estudo nacional de base hospitalar, ‘Nascer no Brasil’, realizado sob a coordenação de pesquisadores da Fiocruz. Em uma das publicações são analisados os fatores relacionados a preferência pelo tipo de parto no início da gestação, reconstruindo o processo de decisão de 23.940 puérperas brasileiras à via de parto final. O aumento de cesarianas é um problema de saúde pública no Brasil, onde essa tendência ocorre principalmente devido ao desejo das mulheres por esse tipo de parto. Mas, de onde surge essa vontade? Por que muda ao longo da gestação? Que fatores culturais, socioeconômicos e, obstétricos são capazes de interferir nessa decisão? Para os pesquisadores do estudo ‘Nascer no Brasil’, as razões para essa preferência diferem conforme a história reprodutiva das mulheres e o tipo de assistência durante o pré-natal e a fonte de pagamento do parto, público ou privado. No grupo de mulheres avaliado por eles, o desejo pela cesariana foi menor em primíparas (aquelas que pariam pela primeira vez) com parto financiado pelo setor público (15,4%) e maior entre multíparas (aquelas que já tinham mais de um filho) com cesariana anterior no setor privado (73,2%). Quanto à história reprodutiva das mulheres avaliadas, ter tido um parto cesáreo bem sucedido, foi referido por cerca de um terço das multíparas atendidas no setor privado. Essa experiência prévia passou, então, a influenciar no desejo de que na gestação atual o nascimento do bebê ocorresse de forma semelhante, via cesariana. No setor público, essa proporção foi bem menor, sugerindo que essa experiência nem sempre é positiva para esse grupo. Os autores sugerem que isso ocorre, provavelmente, por sua indicação estar mais relacionada à complicações durante a gestação e o trabalho de parto. Além disso, apontam que a recuperação mais lenta do parto cesáreo e o menor apoio para a realização das tarefas domésticas seria outra explicação possível para a menor satisfação com esse tipo de parto em mulheres atendidas no setor público onde predominam aquelas de classes econômicas menos favorecidas. Entre as mulheres do setor privado, houve maior percepção de que a cesariana é o tipo de parto mais seguro para o bebê. No entanto, segundo os autores, os riscos da cesariana para a mulher e o recém-nascido foram pouco valorizados. Poderíamos supor que isso se deve à falta de informação que a mulher recebe durante o pré-natal, mas para as brasileiras investigadas no “Nascer no Brasil”, ao contrário do que mostram estudos internacionais, a informação não foi um fator relevante para a participação das gestantes nos processos decisórios e na satisfação com o parto. Métodos complementares de alívio da dor durante o trabalho de parto são amplamente difundidos em todo mundo, inclusive há uma grande variedade de técnicas não farmacológicas disponíveis. De acordo com a OMS, esses métodos devem ser privilegiados durante a assistência ao trabalho de parto, considerando-se como “práticas reconhecidamente úteis e que devem ser estimuladas”. Entretanto, menos de 5% das mulheres pesquisadas tiveram acesso à essas práticas recomendadas pela OMS para uma assistência adequada ao trabalho de parto. Por isso, os pesquisadores do ‘Nascer no Brasil’ enfatizam a necessidade de mudanças no modelo de atenção ao parto normal, tornando-o uma experiência menos dolorosa e mais gratificante. Para as participantes da pesquisa com parto feito pelo setor privado, a possibilidade de agendar a data do parto com um obstetra conhecido foram aspectos mais referidos no processo decisório. O fato de terem sido acompanhadas (aproximadamente 80%) pelo mesmo médico durante o pré-natal e o parto sugere um aconselhamento favorável à cesariana. Se a decisão pela cesariana não é definida apenas por intercorrências na gestação, as mulheres do setor privado têm a possibilidade de negociar a data da cesárea com o obstetra antes do início do trabalho de parto. Esse cenário é comum no serviço privado no Brasil, e decorre da forma de organização da assistência, afirmam os pesquisadores, pois o setor privado permite esse tipo de conduta avalizada pelos médicos, além de haver uma percepção elevada de segurança da cesariana por parte das gestantes. O ‘Nascer no Brasil’ endossa que a segurança do recém-nato e a segurança e recuperação da mulher deveriam ser priorizados em detrimento da conveniência do agendamento do parto, como ocorre em outros países. Os dados revelaram que, independentemente da fonte de pagamento do parto e da paridade, a preferência das mulheres pelo parto vaginal não foi apoiada ou incentivada pelos médicos. No setor público, a proporção de mulheres que preferia o parto cesáreo no final da gestação não se modificou, ficando próxima a 30%, mas o número de gestantes com decisão pelo parto vaginal diminuiu em decorrência do aumento de gestantes sem decisão pelo tipo de parto. Em contrapartida, no setor privado houve aumento da decisão pela cesariana no final da gestação, referida por cerca de 70% das mulheres. O grande desafio do ‘Nascer no Brasil’ foi gerar informações capazes de transformar as recomendações em práticas baseadas em evidências científicas, ou seja, mudar o ‘curso do rio’ que leva ao atual número exorbitante de cesarianas no Brasil. Para os pesquisadores, a mudança nas práticas obstétricas no país poderá ocorrer por meio de orientações sobre o melhor momento para a internação no trabalho de parto, evitando a hospitalização precoce, e sobre práticas benéficas a serem adotadas durante o trabalho de parto, como aquelas preconizadas pela OMS. Essas são ações que devem ser desenvolvidas durante a assistência pré-natal e que podem fortalecer as mulheres na decisão pelo parto vaginal, aumentando sua confiança em sua capacidade de parir e de lidar com o processo natural de parturição.
Referências Bibliográficas
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