Programa de enfrentamento de doenças negligenciadas começa a colher frutos em Pernambuco

Coordenador do Sanar, Alexandre Menezes, fala sobre seus resultados e perspectivas.

Criado em 2011 pela Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES-PE), o Programa de Enfrentamento às Doenças Negligenciadas (Sanar) já começa a colher os frutos positivos de sua atuação. A iniciativa está investindo R$ 5,6 milhões em 108 municípios prioritários do Estado, em ações que buscam diminuir e erradicar o índice de infectados por sete doenças relacionadas à pobreza. Em novembro de 2012, o Sanar foi considerado a melhor iniciativa na área de vigilância, prevenção e controle da hanseníase, leishmanioses e outras doenças, também relacionadas à pobreza, na 12ª Mostra Nacional de Experiências Bem Sucedidas em Epidemiologia, Prevenção e Controle de Doenças (Expoepi), em Brasília. Diante dos bons resultados e do reconhecimento, o coordenador do programa, Alexandre Menezes, refletiu sobre o êxito do Sanar em seu segundo ano de atuação e sobre os desafios e perspectivas do projeto, que é pioneiro no País no enfrentamento às doenças negligenciadas.

O que é o Sanar e de que maneira ele atua?

O Sanar foi proposto pela gestão atual do Governo do Estado, no sentido de termos, em tempo mais curto, a melhoria de alguns indicadores de doenças que são perpetuadoras da pobreza. Neste sentido, para cada uma das sete doenças foi estabelecida uma estratégia específica. Essa estratégia cumpre o papel do Estado enquanto nível estadual do SUS, que é apoiar tecnicamente, financeiramente e assessorar. Em parte, também executa o que não é tanto o papel do nível do SUS estadual, mas como precisamos melhorar estes indicadores num tempo mais curto, algumas ações estão sendo executadas pela Secretaria de Saúde estadual.

Em 2012 o programa investiu R$ 2,6 milhões em diagnósticos, tratamento coletivo e ações educativas, além de capacitar mais de 1,1 mil profissionais para trabalhar no enfrentamento do tracoma, hanseníase, tuberculose, esquistossomose, filariose, doença de Chagas e helmintíase. O Sanar vem propondo estratégias peculiares para o combate a cada uma destas doenças, típicas em populações de baixa renda, que em algumas localidades de Pernambuco chegam a índices inaceitáveis. A esquistossomose e as verminoses intestinais, a helmintíase, são sérios problemas no Nordeste como um todo. Em áreas críticas, onde temos um número muito alto de pessoas infectadas, o Estado tem realizado a ação de tratamento em massa, que no Brasil chamamos de tratamento coletivo. O tratamento coletivo é uma parte da execução, do papel de executor que o Estado está fazendo, ou seja, elegemos cerca de 90 localidades, onde moram cerca de 110 mil pessoas, e estamos fazendo tratamento coletivo nessas localidades, com o apoio dos municípios, do nível municipal do SUS.

Outra ação que também compõe o Sanar é a organização de uma rede de referências para casos mais graves destas sete doenças. Voltando para a esquistossomose, nos casos em que os pacientes têm a forma mais grave da doença e que precisam de um tratamento especializado, como exame de imagem ou uma cirurgia, algo mais complexo e o nível municipal não apresenta a resolução, o Estado está estruturando uma rede, negociando com alguns hospitais, tanto públicos, de gestão estadual, como de gestão federal, como é o Hospital das Clínicas da UFPE, e alguns conveniados, para que a gente formalize uma rede. Isto está sendo feito para que, quando um problema grave é detectado pela atenção básica do município, o paciente possa seguir claramente por um caminho que é conhecido por todo mundo na atenção básica. Ou seja, ele não vai ficar batendo em portas sem saber onde vai ser atendido. Ele ser atendido rápido.

Também estamos promovendo ações de educação e saúde e de mobilização comunitária nas escolas, relacionadas aos agravos mais críticos, como para o Tracoma, por exemplo. Nós já visitamos em torno de 780 escolas no Estado e em torno de 80 mil crianças já foram examinadas pela gestão estadual. Além disso, também estamos promovendo ações lúdicas e educativas para essas escolas executadas em parceria com os municípios. Resumidamente, o Sanar funciona da seguinte maneira: estruturamos uma rede, que é papel estadual, para poder ter o fluxo e o atendimento de casos graves e, ao mesmo tempo, vamos até a ponta fazer o papel da atenção básica municipal, que é realizar o diagnóstico e tratar. Então temos feito as duas coisas, dependendo de cada situação.

O Sanar existe desde 2011, já é possível fazer uma análise do sucesso da atuação do programa?

Sucesso em saúde pública é uma coisa que a gente deve ter muito cuidado ao dizer. No Sanar, estamos alcançando bons resultados no que diz respeito ao que traçamos enquanto meta. São sete doenças, então, para cada uma delas temos um grau de evolução diferente. Alguns agravos apresentam resultados bem mais positivos que outros que têm processos mais difíceis de você combater, de fazer vigilância mas, em linhas gerais, o programa está sendo exitoso. Temos resultados concretos em alguns casos. Tracoma, por exemplo, tem um município que tinha uma prevalência superior ao que é a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como crítica –  acima de 5% das crianças tinham a forma inflamatória da doença. No segundo ano em que estamos trabalhando, já reduzimos a prevalência nessas crianças. Neste município foram 12 mil crianças examinadas, um número considerável. Então, temos fundamentos para dizer que temos resultados concretos se apresentando.

Qual a maior dificuldade na realização deste projeto?

Eu diria que temos várias dificuldades. Primeiro eu diria que há ainda a dificuldade de que os profissionais da rede de saúde, principalmente da atenção básica, incorporem de fato o enfrentamento dessas doenças como uma rotina no seu serviço, por isso que o nome ‘negligenciada’ não é à toa. Os profissionais têm dificuldade, ou não conhecem – nunca tiveram oportunidade de aprender sobre aquela doença – ou, de fato, deixam elas em último plano para trabalhar. A grande dificuldade é esse envolvimento do agente comunitário, do enfermeiro, do médico, do técnico de enfermagem, no sentido de também se entenderem como partes importantes no controle destas doenças. Esse é um grande desafio que estamos enfrentando.

Outro desafio são as condições socioeconômicas, pois elas são perpetuadoras. Quando pretendemos controlar uma doença realizando o tratamento em massa, por exemplo, a gente precisa que o ambiente seja saneado. Então, não adianta você fazer o tratamento das pessoas e manter as condições ambientais daquela forma, porque aquele problema vai voltar. Esse talvez esteja entre os fatores determinantes.

O enfrentamento dessas questões socioeconômicas não cabem diretamente ao Sanar. Como está sendo essa relação?

Não estamos vendo isso como um fator que não cabe a nós. Não entendemos dessa forma. Temos estratégias concretas para o enfretamento. Por exemplo, fizemos um mapeamento detalhado de quais são os principais problemas de saneamento existentes nessas 90 localidades que eu citei (essas localidades são prioridades no caso da Esquistossomose). Nós mapeamos, por exemplo, a localidade de Nova Tiúma, mais perto da Região Metropolitana, que tem um problema sério: o lançamento dos dejetos das pessoas para aquele rio que elas também usam para lavar roupa e etc. Então estamos mapeando quais são esses problemas e vamos construir um relatório para chamar outros setores, encontrar fontes de recursos específicas para encaminhar para o gestor daquele município a solução e onde tem o recurso para ele resolver aquele problema. O dinheiro não está na saúde e nem somos nós da saúde que vamos fazer as obras sanitárias, mas estamos encontramos o caminho e sendo cirúrgicos no sentido de que estamos pedindo dinheiro para esse tipo de saneamento, que precisa ser feito nesses locais, o que otimiza o tempo. Este mapeamento já está quase pronto. Buscaremos financiamento de obras de saneamento e a parceria com outros setores a partir de janeiro de 2013, para que possamos dizer ao gestor de cada município como fazer e onde buscar o recurso. Não há recurso do Sanar voltado para isso, porque não podemos tirar dinheiro da saúde para essas obras.

Qual o papel do saneamento nesse processo de diminuir os índices destas doenças?

Você precisa ter ações imediatas no sentido da saúde. Não é possível, por exemplo, deixar uma pessoa portadora da tuberculose doente. É preciso tratar com antibiótico, mas se ela continuar naquele ambiente certamente ela vai ser infectada de novo. Então, estamos atuando de uma maneira intensa, para diminuir a carga das doenças, mas para isso precisamos ver o lado principal das condições de saneamento.

Há um retorno positivo destes municípios no sentido de contribuir, participar?

São 108 municípios prioritários, então este retorno é muito heterogêneo. Este ano (2012) foi um ano um tanto difícil quanto a esse retorno porque foi um ano de campanha e eleição municipal e é sempre um período difícil, conturbado para que as coisas aconteçam. Temos uma expectativa melhor, para todos eles, ou para a grande maioria, para 2013 com as novas gestões assumidas. Como já temos o diagnóstico e em algumas situações já temos um quadro bem avançado, esperamos que realmente, esse envolvimento e essa participação sejam mais homogêneos.

E como esse retorno influencia no resultado das ações?

O retorno influencia totalmente. Na verdade, você não consegue avançar se não tiver, de fato, o envolvimento da gestão municipal. Isso é positivo. Eu acho que quem é trabalhador do SUS lutou a vida toda para a gente descentralizar as decisões. Mas, ao mesmo tempo, gera dificuldades quando você sabe que há gestões que se envolvem e outras não e isso pode ser um problema também.


Há um pensamento comum de que as áreas mais distantes dos centros urbanos, as áreas rurais, são as mais afetadas. Faz sentido ou não há, obrigatoriamente, essa relação?

Eu não diria isso, é muito relativo. Acho que a área rural sofre em alguns aspectos, sobretudo em relação à atenção a saúde, e às vezes isso faz com que perpetue uma doença por falta de diagnóstico oportuno. Mas têm algumas características que são muito relacionadas ao ambiente de fato e aí o ambiente urbano pode ser muito mais importante nessa transmissão. Por exemplo, para a hanseníase e a tuberculose, o ambiente urbano, ou seja, as aglomerações, favorecem muito mais a transmissão. Já a esquistossomose precisa de rio, água, caramujo, então o ambiente rural ou periurbano é mais favorável. O tracoma, que é uma doença com transmissão de pessoa a pessoa, está relacionada aos hábitos de higiene, a forma infectante é mais comum entre crianças e temos percebido que as prevalências são muito parecidas nas áreas rurais ou urbanas. O que varia são as condições daquele microambiente, a escola por exemplo.

Tem escola que você não tem uma torneira para lavar o rosto, então, a gente percebe que nesses lugares a prevalência do tracoma é maior, independentemente de ser uma escola rural ou urbana. É muito focal: se você tem escolas com condições ruins e na casa da criança há dificuldade de estrutura, saneamento e ela vai ter mais chance de adoecer. A população rural é mais desfavorecida da assistência, então você pode ter gente mais tempo doente, pode agravar mais os quadros, porque a unidade de saúde não tem profissionais de saúde ou têm profissionais com dificuldades de chegar àquela localidade. Então eles passam mais tempo sem assistência e sem o diagnóstico, mas não é pela área propriamente dita.


Entre as sete doenças definidas, foi possível identificar a que é mais presente, pela maneira de transmissão ou por algum outro fator?

As que são de transmissão pessoa a pessoa são mais disseminadas. A esquistossomose, por exemplo, é uma doença que está presente sempre numa área litorânea. Já a tuberculose, a hanseníase e o tracoma estão disseminadas pelo estado todo, mas muito relacionadas aos ambientes urbanos mais aglomerados. Mas, por exemplo, a doença de Chagas, tem uma característica muito rural, porque o vetor é muito típico do ambiente rural. Então você não vai pegar essa doença numa casa sem estrutura aqui dentro do Recife, porque não tem o vetor transmitindo. Mas você vai para o interior, para uma casa de taipa, e tem a chance de se contaminar.

Quais as perspectivas do Sanar para os próximos anos?

Para cada doença temos uma meta bem clara, mas a perspectiva é que a gente chegue a 2014, e já temos desenho favorável, com as metas que traçamos alcançadas. A gente sabe, por exemplo, que não vamos reduzir o número de casos de tuberculose e hanseníase, porque isso é muito lento, muito processual. Mas, por exemplo, a tuberculose, se até 2014 reduzirmos o número de abandono do tratamento para 10%, ou seja, a cada 100 pessoas que entrarem em tratamento, no máximo 10 não concluam, a gente consegue acabar com a manutenção da doença. A gente não vai conseguir acabar com as doenças em três ou quatro anos, então qual é nossa meta: que as próximas gestões, tanto do estado quanto do município, continuem assumindo como prioridade essas doenças negligenciadas, ou seja, continuem trabalhando da mesma forma, com a intensidade que a gente tem trabalhado, com a prioridade que a gente tem trabalhado para que, a médio prazo, a gente tenha, por exemplo, reduzido a mortalidade por tuberculose, que é uma das maiores do Brasil. Nesses quatro anos a gente vai diminuir indicadores, que vão, a longo ou médio prazo reduzirem o problema de fato. Essa é nossa expectativa, a manutenção destas ações.

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