Seca deixa saúde dos nordestinos ainda mais vulnerável

(Imagem: Funasa)

O acesso à água potável é um direito humano fundamental, reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar disso, quase 22 milhões de brasileiros que vivem na região semiárida do país sofrem os impactos da maior estiagem dos últimos 50 anos. Além de estar presente em mais de 90% dos 1.135 municípios do semiárido, a seca afeta também outras cidades do país. Num total de 1.415 municípios reconhecidos pelo Governo Federal, estes brasileiros são atingidos pelos efeitos socioeconômicos da seca e são expostos a uma realidade precária no que diz respeito também à saúde coletiva. Só no estado de Pernambuco a Secretaria Estadual de Saúde registrou, entre 2011 e 2012, um aumento de 14,7% de internações por diarreia – principal doença relacionada à água.

Seja para cozinhar, para beber, para produzir ou para os cuidados com a higiene, a falta de água provoca efeitos devastadores para a vida das famílias que vivem cada vez mais vulnerabilizadas. Para tentar conter os efeitos da situação, histórica, vivenciada nos estados da Bahia, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Minas Gerais, o Governo Federal busca articular soluções para melhorar as condições de vida daqueles que vivem expostos a este problema. Em 2013, o Estado beneficiou mais de 1 milhão de pessoas com o Bolsa Estiagem, auxilio financeiro para agricultores familiares dos municípios em situação de emergência ou calamidade pública. O Governo Federal enviou 5.262 carros pipa para 783 municípios. Também foram construídas 93.452 cisternas, sendo 26.155 na Bahia e 16.965 em Pernambuco.

Segundo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a construção das cisternas é um caminho para proporcionar mais qualidade de vida e saúde para os brasileiros que vivem no semiárido. Elas trazem uma melhora no acesso à água e qualidade de vida da população que vive nessas localidades.  Trazem condições sanitárias adequadas e garantem a condição da qualidade das mesmas. Esse programa é calculado para que tenha água suficiente a uma família de cinco integrantes, garantindo-a para consumo humano e suas necessidades básicas.

Para o pesquisador da Fiocruz Pernambuco, André Monteiro, as iniciativas propostas são importantes, embora não sejam suficientes para resolver a situação vivenciada pelas famílias nordestinas. “Um estudo que a gente fez na Fiocruz mostrou que as cisternas contribuem com a diminuição da diarreia nas crianças. Mas, mesmo assim, as casas que têm cisternas ainda apresentam uma prevalência relativamente alta de diarreia. Existe um estudo da Embrapa, da mesma época, que mostra que a manutenção, os cuidados com as cisternas e com a água dos domicílios eram precários e faziam com que a água estivesse contaminada. Isso num aspecto mais objetivo. Mas, tem uma dimensão que é mais subjetiva que é a representação que a população tem do que seja água limpa. Por exemplo: a água da chuva é transparente, então ela seria limpa. Mas a água cai no telhado, onde tem contato com resto de bichos e fezes. Essa água precisa ser descartada e as cisternas não têm esses dispositivos de descarte”, explica. Monteiro defende a importância de realizar um trabalho voltado à educação desta população, articulada com a questão da saúde.  “Uma coisa que essa seca mostrou é que as cisternas são equipamentos importantes, mas são insuficientes para garantir o acesso mínimo adequado à água”, defende.

A falta de conhecimento e instrução das pessoas que vivem sob o acesso restrito à água é um grande desafio para o panorama da saúde no semiárido. Além de garantir que chegue em quantidade adequada, é igualmente importante que haja um cuidado com a qualidade da água que será utilizada pelas famílias. “A própria cisterna pode ser ou ter uma fonte de contaminação se ela não for bem cuidada, bem tratada. No transporte da água para casa, as pessoas usam baldes que podem estar sujos, assim como os potes e vasilhas usados para armazenar água dentro dos domicílios. E a principal fonte de transmissão da diarreia, que é a principal doença relacionada à água, são as doenças do ciclo feco-oral. Quem não tem acesso à água também não têm torneira ou vaso sanitário. Elas defecam no mato, fazem a higiene com folhas e, enfim, pegam em algum utensílio, numa maçaneta, no próprio alimento. Como não se tem água, também não há a preocupação em ficar lavando as mãos várias vezes ao dia. Se você tem pouca água, você tem um ambiente vulnerável do ponto de vista sanitário”, explica André Monteiro.

Além das doenças diarreicas, a falta d’água expõe as famílias a outros problemas relacionados à falta de higiene – no caso de micoses e doenças de pele – ou à qualidade da água, com o aparecimento de cálculo renal, em função da salinização da água que é consumida. A vulnerabilidade do ambiente também favorece o surgimento de doenças vetoriais, como a dengue, cujo aparecimento está diretamente relacionado ao armazenamento inadequado de água em tijolos, pneus e até calçadas, facilitando a reprodução do Aedes aegypti, o mosquito que transmite a doença.

Para o diretor da Fiocruz do Ceará, Carlile Lavor, além de aumentar a prevalência destas e de outras doenças agravadas por problemas já existentes na região, como a desnutrição, a estiagem também afeta psicologicamente a população. “A expectativa prolongada e a realidade da seca também provocam um sofrimento mental para as famílias dos agricultores”, explica. Lavor acredita que a estiagem acarreta no surgimento de demandas de saúde específicas. “O atendimento dos doentes com infecções e infestações intestinais, com as diarreias, desnutrição e o atendimento para o sofrimento mental, aumentam. Uma demanda importante é o maior cuidado com a água para o abastecimento humano. A água consumida na área rural geralmente é de baixa qualidade, agravando-se muito o problema com a seca”, explica. Ele defende que o acesso aos serviços de saúde, através das equipes de Saúde da Família com os Agentes Comunitários de Saúde podem contribuir para o tratamento domiciliar da água.

Para superar os problemas de saúde pública que surgem com a estiagem é preciso compreender a seca como um fenômeno natural, que acompanha a história do Brasil. Na contramão da ideia de combater a seca, é preciso desenvolver estratégias e ferramentas que ajudem a conviver com a realidade do semiárido brasileiro. É possível atender às demandas de saúde no sentido de tratar e prevenir as doenças relacionadas ao acesso precário à água e garantir que a água levada às famílias que vivem nessa situação não seja um meio de transmissão destas doenças, mas, que tenha qualidade suficiente para proporcionar uma vida mais saudável à população.

“É importante que o abastecimento de água realizado através dos caminhões pipa se faça com água de boa qualidade, o que não está ocorrendo: estão transportando a primeira água que encontram, sem observar a legislação específica”, explica Lavor, que acredita que é possível reverter a situação vivenciada hoje por essa população, como forma de garantir o direito á saúde. “O Governo Brasileiro tem, hoje, recursos financeiros e técnicos necessários para colocar uma torneira com água de qualidade na casa de cada nordestino que reside na área rural, como está se fazendo com a energia elétrica. É um meio para que se alcance o direito à saúde, proclamado pela Constituição”, conclui o diretor da Fiocruz do Ceará.

Referências Bibliográficas

Observatório da seca: bolsa Estiagem. Brasília: Portal Brasil; 2013. [acesso em 15 jul 2013]. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/observatoriodaseca/bolsa-estiagem.html

Observatório da seca: operação carro pipa. Brasília: Portal Brasil; 2013. [acesso em 15 jul 2013]. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/observatoriodaseca/operacao-carro-pipa.html

Observatório da seca: construção de cisternas. Brasília: Portal do Brasil; 2013. [acesso em 15 jul 2013]. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/observatoriodaseca/construcao-cisternas.html

Secretaria de Saúde. Impacto das estiagens nas doenças diarreicas agudas em Pernambuco, 2012-2013. Recife; 2013.

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