O risco na mesa dos brasileiros

O Brasil é o país líder na exportação de carne do mundo. Hoje existem aqui 1.390 frigoríficos oficialmente registrados e inspecionados em atividade, sendo 762 são fiscalizados por órgãos municipais, 206 por federais e 422 por autoridades estaduais. Dados consolidados em 2011 pelo IBGE porém, concluem que a carne de aproximadamente 10,6 milhões de cabeças de gado bovino sem inspeção, se computados os abates oficiais não inspecionados e os clandestinos, cheguem a mesa do brasileiro, dentro do total de cada 30 milhões destinados ao mercado doméstico. Isto representa em média um terço do total da carne preparada para consumo no país. A denúncia está descrita no estudo Radiografia da Carne no Brasil, elaborado pela Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Amigos da Terra, que foi divulgado em abril. O documento revelou as condições nas quais funcionam a maioria dos abatedouros brasileiros e fez um importante alerta sobre a qualidade da carne que consumimos apontando falhas grosseiras e a negligência de autoridades e responsáveis por abatedouros.

A amostra de visitas do estudo, realizadas entre setembro de 2012 e fevereiro de 2013, atingiu aproximadamente um quarto dos estabelecimentos com inspeção estadual e municipal, chegando ao total de 28, distribuídos em oito estados, que juntos possuem 61% do rebanho bovino brasileiro. Os estados onde se encontram os estabelecimentos visitados são: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Distrito Federal, Bahia, São Paulo e Rio Grande do Sul. Segundo os apontamentos destacados no documento a amplitude da distribuição geográfica da amostra pesquisada leva a conclusão de que a inconformidade no segmento da produção de carne é de aproximadamente 80%, sem grandes variações entre as regiões do país.

“Choques elétricos empurram o boi pelo estreito corredor, enquanto um trabalhador – sem camisa, luvas ou equipamento de proteção – segura uma marreta e aguarda a hora de desferir o golpe. Na sala de abate, sob as patas do animal, poças de sangue e restos de outros bovinos e suínos. Quando o martelo atinge a cabeça do gado, ele desaba no chão imundo. Numa bacia ao lado – de onde transborda um líquido de cor avermelhada, formado por uma mistura de água e sangue – é enxaguado o facão”. O relato que abre o estudo choca e mostra em poucas linhas três problemas corriqueiros no que diz respeito à preparação de carne para comercialização no país. As irregularidades começam já no início da linha de produção. Além da falta de segurança sobre a saúde dos animais, já que nem sempre o abate é acompanhado por um veterinário para atestar as condições de saúde, foi constatado que, em muitos casos, o procedimento é feito de forma cruel, sem higiene ou mesmo medidas de segurança adequadas e equipamentos para os trabalhadores que executam suas tarefas nestes locais. Em muitos municípios brasileiros o mesmo veterinário é responsável pela fiscalização de diferentes matadouros, que ficam distantes uns dos outros e realizam abates simultaneamente, o que, por razões óbvias, impede a conferência de toda a carne produzida. As consequências vindas do consumo de alimentos colocados no mercado sem o devido controle sanitário, são inúmeras. Entre elas estão o contágio por teníase, cisticercose, toxoplasmose e tuberculose. Outra inconformidade que traz risco para a saúde do consumidor é a má conservação da carne, que nem sempre é acondicionada de forma correta. Nestes casos o consumo pode trazer problemas gerados pela contaminação do alimento por salmonelas e bactérias. Além disso, o descarte inadequado dos restos de animais nos frigoríficos gera danos ao meio ambiente, o que inclui a contaminação do lençol freático pelo sangue.

Segundo dados do IBGE de 2012, são abatidas por ano 31 milhões de cabeça de gado para um rebanho de 205 milhões. A informação se refere ao abate inspecionado. A Associação Brasileira de Frigoríficos estima porém, que sejam abatidas 42 milhões de cabeças por ano, se contabilizados os abates clandestinos e não inspecionados. Mas os números comprovam que Os abatedouros irregulares perderiam espaço se não ocorresse o sub aproveitamento da capacidade produtiva dos frigoríficos, como revelado pela Radiografia da Carne no Brasil. “Frente a um abate de 21 milhões de cabeças nos frigoríficos com inspeção federal, temos uma capacidade instalada estimada pelas empresas do setor em pelo menos 52 milhões de cabeças (2012)”, cita o documento. Contudo, o Ministério da Agricultura estima que o setor de carne apresentará intenso crescimento nos próximos anos. Diante de um mercado em ascensão com perspectiva de crescimento das exportações a médio e longo prazo é fundamental fiscalizar a produção e as condições de trabalho daqueles que atuam neste segmento.

Em meio a tantas irregularidades e riscos aos quais são expostos os consumidores e trabalhadores neste setor houve iniciativas que tentaram amenizar os danos de um mercado sem fiscalização e segurança. O Ministério Público lançou o Pacto da Carne Legal, objetivando conscientizar a população sobre a importância de conhecer a origem da matéria prima e evitar comprar o produto vinculado ao desmatamento, à grilagem de terras ou ao trabalho escravo. O problema envolvendo o mercado da carne no Brasil, porém, é mais amplo, e torna necessárias medidas de fiscalização e controle eficazes que viabilizem o rastreamento da procedência dos produtos e a certificação de qualidade pelas autoridades sanitárias.

A OSCIP Amigos da Terra exige no documento o comprometimento do Poder Público com a garantia de que haja um padrão sanitário único e de qualidade na preparação da carne para consumo, com práticas de transparência ao consumidor e regras de produção que viabilizem a rastreabilidade da origem e qualidade do produto. Outro ponto em destaque no texto é a responsabilidade com a credibilidade do setor que, se adequado a padrões de qualidade e vigilância sanitária e submetido à fiscalização correta, poderia gerar empregos descentes e fornecer um bom produto para consumo. Resta as autoridades tomar o estudo como mais um instrumento de auxílio quanto a estruturação de medidas que tornem melhor e mais confiável o mercado produtor de carne no Brasil, dê dignidade àqueles que nele trabalham e proporcione confiabilidade e segurança ao consumidor.

Referência Bibliográfica

Radiografia da Carne no Brasil. São Paulo: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira; 2013. [acesso em 10 jul 2013]. Disponível em: http://amazonia.org.br/wp-content/uploads/2013/04/cartilha_radiografia.pdf

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