Encerrou no dia 20 de julho último, na sede das Nações Unidas, em Nova York, a reunião do Fórum Político de Alto Nível (High-Level Political Forum – HLPF)[i], realizada no âmbito da reunião anual do Conselho Econômico e Social da ONU (ECOSOC)[ii].
A Declaração de Ministros sobre Desenvolvimento Sustentável 2017[iii], um documento de 11 páginas (na sua versão em espanhol) e 30 parágrafos, emitida ao final do evento, tem como título geral “A erradicação da pobreza e a promoção da prosperidade em um mundo em evolução”, tema em torno do qual se desenvolveram tanto as sessões deliberativas do HLPF, quanto as centenas de apresentações, mesas, seminários e encontros paralelos.
Na Declaração Ministerial, os representantes máximos dos países participantes, reafirmaram “o compromisso de aplicar efetivamente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, para todas as pessoas, em todo o mundo, assegurando-nos de que ninguém fique para trás”, vale dizer, os princípios da universalidade e equidade no desenvolvimento.
Apesar de afirmar que, transcorridos quase dois anos, os esforços de implementação da agenda produziram resultados alentadores em muitos âmbitos, o documento reconhece que o ritmo deve se acelerar, porque os desafios se tornaram ainda mais urgentes e o enfrentamento dos mesmos, inadiável.
A Declaração se compromete com a realização das metas e meios de implementação de todos os ODS que foram priorizados no debate deste ano: ODS sobre pobreza (1), fome (2), saúde (3), gênero (5), infraestrutura e industrialização (9) e 14 (oceanos), assim como o Objetivo 17 (governança e cooperação), dando ênfase especial à erradicação da pobreza, que como uma chaga e um imperativo ético impostergável, desafia a chamada ‘comunidade internacional’: 1,6 bilhões de pessoas ainda vivem no mundo em situação de pobreza multidimensional.
Assume a Declaração que é necessário empoderar as pessoas vulneráveis, mencionando especificamente as crianças, adolescentes, jovens, pessoas com necessidades especiais (das quais 80% vivem em situação de pobreza), as portadoras de HIV/AIDS, idosos, povos indígenas, refugiados e deslocados internos forçados, migrantes, os povos que vivem em zonas emergência humanitária e aqueles que habitam zonas afetadas pelo terrorismo e conflitos.
Reafirma, também, a extrema importância das questões ambientais e de mudanças climáticas, que tem produzido desafios cada vez maiores, porque não cessam as pressões do modelo econômico vigente sobre os já escassos recursos do planeta. Neste caso, pede que os países cumpram integralmente os compromissos assumidos com o Acordo sobre o Clima, firmado em Paris, e exorta aqueles que ainda não o fizeram, a depositar seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, o que pode ser interpretado como uma crítica, ainda que velada, ao governo Trump, por exemplo, que unilateralmente abandonou o Acordo.
Do ponto de vista da governança, chama a atenção para a imperiosa necessidade de promover a integração das políticas, definir e implementar planos nacionais de desenvolvimento, ‘localizar’ a Agenda e os ODS e promover alianças inclusivas. O documento aponta que, entre as dificuldades comuns a todos os países menos desenvolvidos, figuram a rigidez estrutural, os elevados níveis de endividamento, a escassa participação no comercio mundial, o deficiente desenvolvimento da infraestrutura, a baixa produtividade, o crescimento sem emprego, e a limitada resiliência às repercussões das mudanças climáticas, desertificação, inundações, seca e degradação da terra.
Embora cada ODS contenha meios de implementação próprios e apropriados, os ODSs 16 e 17 são interpretados como “meios de implementação gerais”, pois se referem a questões de governança que cruzam transversalmente todos os demais, bem como contêm outras questões gerais: tipos de instituições necessárias para o desenvolvimento sustentável, financiamento, tecnologias, capacity builindg, comércio, parcerias para o desenvolvimento, temas sistêmicos (global x nacional x local; formulação e coordenação de políticas, entre outros) e dados para monitoramento e avaliação. Destes itens, a Declaração tratou apenas tangencialmente, o que limita seu alcance e capacidade de orientação.
Ainda no tocante à governança, as diversas avaliações voluntárias feitas por países foi um processo descritivo e de troca de informações, a maioria dos casos mencionando, o que é positivo, o posicionamento hierárquico alto, na gestão nacional, da implementação dos ODS, inclusive em muitos países relacionando-os com planos nacionais de desenvolvimento.
Entretanto, o grau de generalidade que caracterizou os debates exige – como defendemos em capitulo de livro de nossa autoria[iv] que será lançado em agosto – próximos passos mais afirmativos quanto à “elaboração de estratégias e meios de implementação ‘transversais’, que articulem entre si todos os ODS propostos, em ações coerentes de governança, como políticas governamentais intersetoriais. A saúde humana – como produto social e um dos resultados esperados do desenvolvimento, como asseveram os chefes de Estado e de governo no documento da Rio+20 – é o exemplo mais gritante da importância de se mobilizar tais esquemas de governança, que incluem negociações intersetoriais no interior de governos e entre esferas de governo e a participação ativa de diferentes segmentos da sociedade civil”.
Financiamento do desenvolvimento
Foi também realizado neste ano, auspiciado pelo ECOSOC, o segundo fórum sobre o financiamento do desenvolvimento, que dá seguimento à Agenda de Ação de Adis Abeba e que reuniu representantes de países, especialistas de agências da ONU e das instituições de Bretton Woods, Organização Mundial do Comércio (OMC) e UNCTAD (conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento.
O financiamento do desenvolvimento foi definido na Agenda de Ação de Adis Abeba, oficializada pela Resolução da ONU A69/313[v] e incorporada à Resolução A70/1[vi] sobre a Agenda 2030 e os ODS. A Declaração reconhece que o financiamento público internacional desempenha função importante como complemento dos recursos públicos próprios dos países, sobretudo dos mais pobres, vulneráveis e com recursos internos limitados. Seu papel, incluída a assistência oficial para o desenvolvimento (AOD), seria o de catalizar a mobilização de recursos adicionais de outras fontes, públicas e privadas, e ampliar estratégias de financiamento combinada mediante associações com o setor privado, para aumentar o capital em apoio a investimentos públicos, orientados por políticas e prioridades nacionais. É uma formulação aceitável, mas que precisará ser testada diante da atual aversão de capitais internacionais justamente a mercados de países mais pobres e com menor potencial de retorno.
Pretende-se reforçar a cooperação internacional para o desenvolvimento – inclusive por meio da cooperação Sul-Sul, e aumentar ao máximo seus efeitos, eficácia, transparência e resultados.
O Informe sobre Progressos e Perspectivas para o Financiamento do Desenvolvimento 2017, elaborado por um GT de agências da ONU[vii], assim como o Informe do Fórum propriamente dito[viii] alertaram para as enormes dificuldades de alcançar as metas dos ODS, devido à grande disparidade entre os países e a permanência da crise econômica, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento. É um alerta grave, que deverá ser encarado com compromissos firmes e não apenas declarações retóricas, particularmente por parte dos países desenvolvidos, aos quais cabe responsabilidade significativa diferenciada na implementação do desenvolvimento sustentável.
Os números do evento e toda sorte de informações e documentos, posicionamentos mesas e seminários, vídeos, notícias, entrevistas etc. disponíveis sobre o mesmo podem ser conferidos na plataforma online https://sustainabledevelopment.un.org/hlpf, incluindo a relação de 354 inputs[ix] de diversas naturezas e relevância, como as Revisões Voluntárias dos países, outras entradas governamentais voluntárias, entradas das comissões funcionais do ECOSOC e outros organismos intergovernamentais e fóruns, entradas de grandes grupos (major groups) e outras partes interessadas, bem como contribuições de parcerias entre vários interessados e compromissos voluntários.
Este expressivo conjunto de contribuições deverá ser agora absorvido e digerido pelas comunidades internacional e nacionais interessadas, para dar prosseguimento à implementação da Agenda 2030 e dos ODS globalmente e no plano nacional. Governos e parlamentos nacionais, estaduais e locais; sociedade civil, incluindo ONGs, academia, fundações privadas e outros grupos interessados; agências das Nações Unidas; e setor privado deverão agora adequar seus planos e iniciativas às deliberações e aportes dos diversos participantes do evento.
No Brasil, a Fiocruz está se mobilizando para dar sua contribuição crítica ao desenvolvimento sustentável nacional e, pela via da sua capacidade de cooperação, também aos países parceiros da ALC e da CPLP. Cumprindo seu mandato institucional, como membro do GT sobre Agenda e ODS estabelecido pela Presidência da Fiocruz, o CRIS vai acompanhar de forma crítica a evolução do processo no plano internacional e sistematicamente reportar aos interessados, via as plataformas, sites e blogues mantidos ativamente sobre o tema na Fundação Oswaldo Cruz.
Afinal, tivemos “passos à frente”? Sim, embora tímidos, como está tímida a postura de solidariedade internacional em tempos de hiperglobalização xenófoba e conservadora.
[i] O Fórum Político de Alto Nível (High-Level Political Forum – HLPF, em seu acrônimo em inglês) é o órgão máximo de condução da implementação da Agenda do Desenvolvimento 2030 e dos ODS. Foi criado na Conferência Rio+20 e é composto pelos Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da ONU. Reúne-se anualmente, com sua composição plena ou com Ministros de alto nível especialmente apontados como representantes dos países.
[ii] UN High-Level Political Forum 2017 Meeting. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/hlpf. Foram 8 dias de reunião, três dos quais destinados ao encontro ministerial.
[iii] Ver o Projeto de Declaração Ministerial (versão preliminar) Disponível em: http://undocs.org/es/e/2017/L.29
[iv] Buss PM, Galvão LAC, Buss DF. Saúde na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável: política central para a governança global. In: Buss PM, Tobar, S. Diplomacia da saúde e saúde global: perspectivas latino-americanas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2017, p. 371.
[v] ONU. Agenda de Ação de Addis Abeba (2015). Disponível em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/69/313&referer=http://www.un.org/en/ga/69/resolutions.shtml&Lang=S
[vi] Nações Unidas. Transformando nosso mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030
[vii] Ver: https://www.un.org/development/desa/es/news/financing/forum-on-financing-for-development-follow-up.html
[viii] Ver: http://www.un.org/esa/ffd/
[ix] Acesso: https://sustainabledevelopment.un.org/inputs
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