Esta é a primeira de uma série de matérias sobre o documento técnico da CMDSS intitulado “Diminuindo as diferenças: a prática das políticas sobre os DSS”. Em cada uma das matérias apresentaremos um resumo do capítulo correspondente a cada um dos temas da CMDSS, começando com o primeiro deles sobre Governança.
Para abordar os DSS de maneira efetiva os governos precisam ser capazes de coordenar e alinhar setores e tipos de organização diferentes tendo a equidade como objetivo comum. É essencial a construção da governança – e o desenvolvimento de meios efetivos de trabalhar integradamente entre os setores (“ações intersetoriais”). O objetivo da estratégia “Saúde em Todas as Políticas” é mostrar como a saúde pode ser compreendida como uma meta compartilhada do governo como um todo, assim como um indicador comum de desenvolvimento. A “Saúde em Todas as Políticas” destaca as relações entre a saúde e as metas econômicas e sociais e coloca a melhoria da saúde e a redução das desigualdades como problemas complexos que demandam uma resposta política integrada entre os setores.
A “Saúde em Todas as Políticas” é uma estratégia que precisa ser adaptada ao contexto histórico e cultural específico de cada país. O foco dessa seção é a governança no nível nacional. Contudo, muitos dos exemplos mais promissores de governos que adotaram uma abordagem ligada aos determinantes sociais são dos níveis municipal e subnacional (estados ou província), pois pode ser mais fácil integrar os diferentes elementos da formulação de políticas nesse nível de jurisdição, devido a sua escala reduzida.
Construindo a governança necessária para a ação sobre os determinantes sociais
Governança é como os governos (e seus diferentes setores) e outras organizações sociais interagem, como essas instituições estão relacionadas aos cidadãos, e como decisões são tomadas em um mundo complexo e globalizado. Assim, para que qualquer política destinada à redução das desigualdades de saúde seja coerente, ela precisa instituir um tipo de governança que deixe claro o papel individual e do conjunto dos diferentes atores e setores.
Construir a governança necessária para se agir sobre os determinantes sociais é uma tarefa complexa, que depende profundamente do sistema político dos países. Apesar de não haver uma receita que se encaixe em todas as situações; é preciso que algumas questões comuns sejam respondidas pelos distintos modelos de governança. Os cinco princípios para uma boa governança do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) servem de parâmetro. Primeiro, a implementação de políticas que atuem sobre os determinantes sociais precisam ter legitimidade e dar voz a todas as partes envolvidas. Segundo, trabalhar com determinantes sociais significa ter direção e visão estratégicas que mantenham as ações de longo prazo necessárias para que se verifiquem reduções nas desigualdades de saúde.
Terceiro, é preciso garantir que se obtenha um bom desempenho tanto nos processos quando em seus resultados. Quarto, a responsabilidade precisa ser clara. Qualquer ator que faça parte dos diferentes setores do governo, da sociedade civil ou do setor privado, precisa ter responsabilidade pelas decisões tomadas, no que tange as metas comuns identificadas ligadas à saúde e à equidade em saúde. Quinto, o processo decisório e a implementação de ações sobre os determinantes sociais – cujo objetivo é a distribuição mais equitativa da saúde – precisa, em si, ser mais justo. É improvável que se consiga reduzir as desigualdades de saúde sem que processos equitativos sejam utilizados e que haja acesso às intervenções. A existência de uma estrutura legal pode ajudar no processo – caso, por exemplo, haja uma consagração do direito à saúde e da abordagem sobre os determinantes nas constituições nacionais.
Esses princípios se aplicam de forma igual e têm a mesma importância em relação à governança global. Instituições internacionais deveriam lutar pela legitimidade, assegurando que aqueles afetados por suas decisões tenham voz igual. Suas estruturas de governança deveriam assegurar a responsabilidade sobre a população global como um todo, além de serem igualitárias no seu processo decisório e na execução de suas ações.
Implementando ações intersetoriais
Algumas ações realizadas sobre os determinantes sociais pedem que o governo como um todo e a sociedade como um todo estejam envolvidos e que haja uma preocupação explícita de que equidade em saúde seja um objetivo das políticas e leis nacionais. O conceito de ações intersetoriais não é novo, e vem sendo defendido pelos movimentos da atenção primária e da promoção da saúde há trinta anos. Contudo, a falta de governança e dos sistemas necessários para a implementação de políticas coerentes sobre os determinantes sociais têm se mostrado um obstáculo significativo ao progresso. Além disso, as ações intersetoriais têm envolvido a instrumentalização dos recursos de outros setores para a saúde, ao invés de haver um esforço mútuo de melhoria das políticas de cada setor.
Assim, entre alguns dos maiores desafios está decidir quais problemas demandam ações intersetoriais e identificar metas comuns de setores distintos que possuam interesses conflitantes. Os setores não precisam estar todos envolvidos, mas esforços deveriam ser feitos para que os setores prioritários sejam identificados para cada questão e contexto e então trabalhar para conseguir a colaboração desses setores. Todos os setores envolvidos precisam compreender os benefícios da colaboração, e isso é crucial no processo de identificação de metas comuns e de sua tradução para o universo das ações intersetoriais. No caso dos determinantes sociais, os benefícios causados a outros setores por melhorias nas condições de saúde e reduções nas desigualdades de saúde precisar ser comunicados de forma clara para esses setores nos termos de suas próprias agendas e prioridades. O uso de um modelo conceitual que mostre a inter-relação entre os vários determinantes sociais (com todos os setores representados) pode ser uma ferramenta útil para demonstrar que todos os setores envolvidos têm um papel a desempenhar.
O capítulo inclui uma tabela adaptada da agência de saúde pública do Canadá onde se apresentam as condições que devem estar preenchidas para que ações intersetoriais sejam bem sucedidas:
. Criar um marco político e abordagens políticas à questão da saúde que promovam ações intersetoriais.
. Enfatizar valores, interesses e objetivos compartilhados entre parceiros atuais e parceiros em potencial.
. Garantir apoio político; trabalhar a partir de fatores positivos já existentes no ambiente político.
. Engajar parceiros importantes desde o início: ser inclusivo.
. Assegurar que haja coordenação horizontal entre os setores, assim como vertical entre todos os níveis dentro dos setores.
. Investir em processos de construção de alianças trabalhando pelo consenso durante a fase de planejamento.
. Enfatizar objetivos concretos e resultados visíveis.
. Assegurar que a liderança, a responsabilidade e os benefícios sejam compartilhados pelas partes.
. Desenvolver equipes estáveis que trabalhem bem juntas, com os sistemas de apoio necessários.
. Desenvolver modelos, ferramentas e mecanismos práticos que apóiem a implementação de ações intersetoriais.
. Assegurar a participação do público; educar e conscientizar o público a respeito dos determinantes da saúde e da ação intersetorial.
Há inúmeras situações, no campo das ações sobre os determinantes sociais, que geram benefícios para todas as partes, mas algumas ações, apesar de necessárias, gerarão impactos negativos ou custos para algumas das partes envolvidas. No trato com esses conflitos, os governos precisam considerar desproporções de poder entre os setores, além de determinar quais são mais importantes para os interesses da saúde e da equidade em saúde. O governo também tem a responsabilidade de defender aqueles que têm menos poder e enfrentar interesses que aumentem a desigualdade em saúde.
Referência Bibliográfica
Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.
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