O segundo tema da Conferência está dedicado à participação social e é desenvolvido no capítulo correspondente do documento técnico da CMDSS intitulado “Diminuindo as diferenças: a prática das políticas sobre os DSS”. A seguir apresentamos um resumo desse capítulo.
O capítulo inicia afirmando que a governança necessária para promover ações sobre os DSS não existirá sem uma nova cultura de participação, que assegure a responsabilidade e a equidade. A participação das comunidades e da sociedade civil no desenvolvimento de políticas públicas, no monitoramento de sua implementação e na avaliação de seus resultados é essencial para qualquer conjunto de ações sobre os determinantes sociais. A participação tem o valor intrínseco de respeitar o direito dos seres humanos e a sua autonomia de estarem envolvidos em processos decisórios que os afetam. No caso das ações sobre os determinantes sociais, a participação é uma meta em si mesma – uma meta de maior autonomia e bem-estar, de mais dignidade e melhor qualidade de vida para todos os membros da sociedade. Mas também possui valor instrumental, visto que a participação das comunidades na formulação de políticas pode levar ao desenvolvimento de novas iniciativas, a um maior monitoramento do cumprimento de responsabilidades e à sustentabilidade das mudanças.
Criando as condições para a participação
Promover a participação de maneira genuína pode, às vezes, parecer uma medida arriscada para os formuladores de política, visto que implica uma mudança das relações de poder em favor de grupos populacionais que historicamente foram excluídos ou marginalizados. Mas a participação também pode beneficiar líderes políticos que desejam implementar reformas. A participação das comunidades pode permitir que reformas difíceis possam ser realizadas. O documento apresenta um quadro que representa o modo através do qual a participação na formulação de políticas se dá entre as comunidades e a sociedade civil de um lado e os governos do outro. Consiste de quatro componentes: as estruturas e espaços de participação, os recursos para promover a participação, o conhecimento necessário para participar, e o impacto de políticas e práticas anteriores na participação.
Institucionalizando mecanismos de participação
As estruturas políticas, físicas e institucionais – assim como suas regras, normas e relações – podem tanto inibir quanto promover a participação no processo decisório, visto que definem quando a participação pode ocorrer e quem pode acessar os processos. Para facilitar a participação, os processos precisam ser os mais transparentes possíveis.
Os mecanismos escolhidos para institucionalizar a participação são menos importantes do que o processo através do qual ela é incorporada à governança. A utilização de assembleias e conselhos foi bem sucedida em países em que essas instituições estão intimamente ligadas ao processo decisório. Outras ferramentas, como o diálogo, o orçamento participativo e júris de cidadãos só serão úteis se puderem influenciar a formulação de políticas.
Oferecendo recursos
Há muitos benefícios para a participação, mas ele também tem um custo. As partes interessadas necessitam de tempo, dinheiro, capacidade institucional e recursos humanos para participarem efetivamente do processo de formulação de políticas e defenderem seus interesses. Os governos podem investir em participação oferecendo incentivos e subsidiando custos e as organizações da sociedade civil podem contribuir com os recursos necessários à participação, assim como ajudar as comunidades a identificar que questões deveriam priorizar.
Considerando o impacto de políticas e práticas anteriores
Barreiras à participação não acontecem unicamente por falta de meios ou recursos. Experiências anteriores, assim como o contexto político e histórico influenciam fortemente. Grupos que sofrem discriminação serão muito refratários a integrarem mecanismos de participação. Assim, os governos precisam facilitar a participação desses grupos de forma proativa, alocando recursos, mas também reconhecendo sua cultura e capacidade de contribuir para o próprio bem-estar. A participação deve ser um dos objetivos centrais das agências do governo.
Construindo conhecimento e capacidades
Para que haja participação de fato, é preciso que as partes interessadas tenham conhecimento e capacidades para navegar pela burocracia enquanto promovem sua agenda. Para que as vozes de grupos marginalizados estejam adequadamente representadas nos processos políticos, é preciso desenvolver suas capacidades para a participação. Para tal, é preciso promover uma série de atividades ligadas desde a transmissão de informações até ao processo de construção da autonomia do grupo (empowerment). As comunidades precisam acessar informações, mas também precisam ser capazes de interpretá-las e utilizá-las. Além de possuírem capacidade de analisar as informações, as comunidades também precisam estar alfabetizadas nos processos burocráticos, conhecendo atores e processos envolvidos na formulação de políticas. Instituições governamentais também precisam desenvolver sua capacidade não só de resposta às demandas das comunidades, como também para lidar com propostas que utilizem linguagem diferente à que estão acostumados.
Negociando a participação e assegurando representatividade
O texto mostra uma figura com um contínuo, desde o acesso a informações até a transferência de poder, passando por consultas de opinião e parcerias. É comum que os grupos mais vulneráveis enfrentem barreiras adicionais, o que faz com que os esforços para engajá-los tenham ainda mais dificuldade de chegar até eles. Para isso, talvez seja necessário utilizar metodologias novas e flexíveis – por exemplo, fóruns apenas para mulheres, novas tecnologias de comunicação para atingir os jovens, e adequação cultural para minorias étnicas e povos indígenas.
Facilitando a participação da sociedade civil
A sociedade civil pode colaborar de várias maneiras para a implementação de ações que incidem sobre os DSS. Uma das principais formas é cobrar de formuladores e implementadores de políticas as responsabilidades e compromissos assumidos durante a elaboração destas, podendo também monitorar os gastos e o orçamento programado. A sociedade civil também pode contribuir para o fortalecimento da democracia eleitoral e uma imprensa independente. Organizações da sociedade civil também podem produzir informações e facilitar o acesso a informações produzidas por outras instituições. Em situações em que os dados e informações produzidos pelo governo são inadequados, os grupos da sociedade civil podem servir de fontes primordiais de informação. Os governos podem ativamente facilitar a ação da sociedade civil, formalizando seu envolvimento no processo de formulação de políticas, formando corpos consultivos e colaborando formalmente com observatórios que produzam “informes paralelos” e avaliações independentes que levantam questões que os relatórios oficiais ignoraram. Os governos devem valorizar informações produzidas pelos grupos da sociedade civil e ajudá-los a desenvolver capacidade para realizar e apresentar pesquisas de maneira compreensível para seus respectivos públicos-alvo.
Referência Bibliográfica
Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.
Entrevista com:
Ao discutir os espaços de ampliação da participação, que agreguem, principalmente, os grupos marginalizados em sua representação política, observo que o transito nesses espaços de participação carece de permanente confrontamento entre as práticas saudaveis, que visam o aprimoramento dos processos coletivos e as praticas corruptiveis. Na verdade, esses espaços podem servir para exclusão ou , contraditoriamente, podem reproduzir práticas individualistas que, geralmente, levam a atos de corrupção.
Assim, entendo que atualmente a corrupção, de tão enraizada em todos segmentos sociais do país, pode ser considerada uma determinante social, que carece de estratégias para revertê-la.