Tema 3: O papel do setor saúde (incluindo os programas de saúde pública) na redução das desigualdades em saúde

O terceiro tema da Conferência está dedicado ao papel do setor saúde e é desenvolvido no capítulo correspondente do documento técnico da CMDSS intitulado “Diminuindo as diferenças: a prática das políticas sobre os DSS”. A seguir apresentamos um resumo desse capítulo.

O setor saúde permanece vital para melhorar as condições de saúde e reduzir as desigualdades. O setor saúde também tem o importante papel de trabalhar com outros setores no sentido de reduzir diferenças nos níveis de exposição e vulnerabilidade a ameaças à saúde. Além disso, os sistemas de saúde (atores, instituições e recursos), incluindo os programas de saúde pública, são, em si, um determinante social. Ao invés de reduzir as desigualdades de saúde, é comum que o setor saúde acabe por piorá-las, por exemplo, quando oferece melhor atenção e acesso a grupos que comparativamente não precisam tanto quanto outros. Escolhas ligadas ao modo de financiamento dos sistemas de saúde e localização das unidades de saúde – além das atitudes dos profissionais da saúde em relação a diferentes grupos da sociedade – determinam de maneira crucial o impacto positivo ou negativo do setor saúde sobre as desigualdades de saúde. Para que seja possível garantir que o setor saúde venha a reduzir – e não aumentar – as desigualdades de saúde, é necessário que os serviços prestados sejam realizados de maneira equitativa para todos os grupos da sociedade e em todas as modalidades de atenção. Sem reduzir as desigualdades em seu interior, o setor saúde não está em boa posição para pedir a outros setores que venham a implementar ações sobre os determinantes sociais.

A atenção primária coloca a equidade como valor central do setor saúde, juntamente com a cobertura universal, a ação intersetorial e a facilitação da participação. Qualquer estratégia dedicada ao fortalecimento dos sistemas de saúde e dos programas de saúde pública precisa institucionalizar um foco explícito na equidade. Isso significa deixar as médias para trás e revelar disparidades não só em relação à saúde quanto em relação ao uso e à qualidade dos serviços.

O papel do setor saúde na governança dos determinantes sociais

Existem quatro funções a ser desempenhadas pelo setor saúde. Primeiro, o setor tem um papel fundamental defendendo os DSS enquanto abordagem e explicando como ela pode beneficiar a sociedade como um todo e diferentes setores. Segundo, o setor saúde tem o conhecimento e a responsabilidade de monitorar as desigualdades de saúde e o impacto de políticas sobre os determinantes sociais. Terceiro, organizando as evidências, o setor pode colaborar de maneira importante para unir os setores com o objetivo de planejar e implementar intervenções sobre os DSS. Quarto, o setor saúde tem um importante papel em desenvolver capacidades para o trabalho com os DSS.

Para realizar essas funções de forma efetiva, uma série de responsabilidades e tarefas específicas podem ser identificadas:

• Compreender as agendas políticas e os imperativos administrativos de outros setores

• Desenvolver conhecimento e uma base de evidências para opções e estratégias políticas

• Avaliar as consequências sobre a saúde de diferentes opções de políticas

• Criar plataformas regulares de diálogo para a solução de problemas com outros setores

• Avaliar a efetividade do trabalho intersetorial

Muitas dessas responsabilidades são novas para o setor saúde, que, portanto, também precisa construir capacidades para trabalhar efetivamente com os determinantes sociais.

Reformulando serviços de saúde e programas de saúde pública para reduzir desigualdades

Para colocar a equidade no cerne dos serviços de saúde há que avaliar o desempenho dos serviços e programas de saúde na redução de desigualdades. Isso significa entender como os serviços funcionam, suas metas e objetivos e como eles participam da geração de desigualdades de saúde em uma sociedade.

O documento mostra o modelo de Tanahashi, que considera o acesso, a prestação e o uso dos serviços de saúde e mostra como, a cada passo, os serviços e programas “perdem” pessoas.

Em todos os serviços de saúde, existem diferenças com que grupos populacionais diferentes recebem ou não a atenção ou diferenças na qualidade em cada um dos passos. Trata-se de um mecanismo-chave através do qual os serviços e programas de saúde aumentam as desigualdades de saúde. Para que se possam identificar maneiras pelas quais os serviços de saúde possam reduzir suas contribuições para o aumento das desigualdades de saúde, é necessário desagregar dados por grupos populacionais-chave, especialmente os socialmente desprivilegiados. Uma vez que se saiba quais grupos se beneficiam dos serviços e programas, e, mais importante, que grupos não acessam os serviços ou recebem serviços de qualidade ruim, é possível analisar as barreiras responsáveis por essas diferenças. Muitas dessas barreiras serão externas ao setor saúde. Contudo, o setor saúde já pode fazer uma importante contribuição se conseguir administrar os fatores que estão dentro de seu controle, tais como o financiamento, localização e a temporalidade dos serviços, e as competências e atitudes dos profissionais da saúde. O setor também deve assegurar que a atenção se estenda para além dos serviços puramente curativos e inclua atividades de promoção da saúde e de prevenção de doenças. Essa estratégia serve de base para uma reformulação dos serviços e programas sob o prisma da redução das desigualdades e do monitoramento contínuo para verificar se obtiveram os resultados desejados.

Institucionalizando a equidade na governança dos sistemas de saúde

A reformulação do processo de prestação dos serviços de saúde precisa estar apoiada numa nova governança dos sistemas de saúde com base na atenção primária. Há que desenvolver a capacidade de negociar e administrar mudanças nos serviços prestados por autoridades sub-nacionais, pelo setor privado, por organizações não governamentais. Deve um planejamento claro e transparente em nível central, onde os ministérios da saúde reconheçam a importância de outros fornecedores e ao mesmo tempo exerçam o comando do sistema como um todo.

Os esforços realizados pelo setor saúde no sentido de combater as desigualdades de saúde irão variar dependendo do contexto dos países, da natureza e da dimensão das desigualdades de saúde existentes, e da estrutura da sociedade e dos sistemas de saúde – o que significa que a governança dos sistemas de saúde precisa estar preparada para responder de forma adequada, alocando recursos e priorizando populações carentes.

O financiamento da atenção dedicado a assegurar a cobertura equitativa e universal também apresenta desafios para a governança dos sistemas de saúde. O documento apresenta uma figura que explica que para obter cobertura equitativa e universal é preciso garantir que haja acesso e cobertura efetiva para todos os grupos (“extensão”), para todos os tipos de atenção (“profundidade”), por um custo acessível e em condições aceitáveis, com a existência de recursos específicos que atendam às necessidades diferenciadas (“extensão”). Chegar à cobertura universal não é fácil e é comum que a ampliação da cobertura leve a um aumento das desigualdades. O financiamento dos sistemas de saúde é chave para demonstrar se os recursos estão sendo destinados às áreas que mais precisam. Já foi claramente demonstrado que a cobrança pelos serviços pode impedir o uso adequado da atenção e levar milhões de pessoas à pobreza. Todos os países, portanto, precisam implementar mecanismos coletivos de pagamento antecipado para financiar os serviços de saúde e outros mecanismos de financiamento tais como a articulação entre o fornecimento de serviços de saúde, esquemas de proteção social mais amplo e a assistência a grupos específicos com maiores necessidades. Também é preciso ter proteção financeira para garantir a renda das pessoas quando ficarem doentes ou estiverem incapazes de trabalhar.

Referência Bibliográfica

Organização Mundial da SaúdeDiminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.

Entrevista com:

3 Comentário

  1. Excelente abordagem; parabenizo o autor pela abordagem simples, direta e que aponta os caminhos da saúde necessárias para superação das desigualdades fazendo sua parte no fomento de experiências e desenvolvimento de conhecimento com base em evidências para implementações de políticas viáveis e efetivas para redução da desigualdade, melhoria das condições de saúde e consequentemente vislumbrarmos a Equidade como principal meta neste setor.
    Abraços fraternos

  2. Amei….e como estou fazendo um mestrado na Argentina sobre Salud Familiar y Comunitária…me agradou muito…

  3. Da atenção primária à quaternária, todos os níveis devem pensar em como “zerar” os diferenciais de cuidado em saúde.
    Se na atenção primária, chama atenção as barreiras ao acesso à saúde, nos demais níveis a situação não é melhor. Dentro do sistema as pessoas estão sujeitas às negligências, imperícias e omissões em razão de viéses preconceituosos, por exemplo. O resultado disso são os diferenciais de cuidado, as disparidades em saúde. Se formos direto ao ponto veremos uma explícita violação de direitos humanos fundamentais e estabelecimento de tortura, inclusive.
    Zerar os diferenciais da assistência em saúde deve ser uma meta a ser perseguida por todos os níveis de atenção à saúde, urgentemente! As pessoas estão morrendo ou sofrendo sequelas em razão do racismo/sexismo estrutural. Duvida? veja os dados de atenção ao parto (morbi-mortalidade materna), veja os dados sobre transplantes, por exemplo. Vale uma pesquisa-ação nas salas de emergência também para ver como se dá o atendimento a himens negros vítimas de violência, a idosos, a mulheres negras, etc.

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