No Brasil os estabelecimentos comerciais não precisam de qualquer tipo de licença para vender bebidas alcoólicas. No entanto, segundo o artigo 81 da Lei Federal nº 8069/1990, sua venda é proibida a crianças e adolescentes. O não cumprimento dessa lei, em função da pouca fiscalização dos órgãos públicos, faz com que o uso de bebidas alcoólicas seja altamente prevalente entre os adolescentes brasileiros, representando um problema social e de saúde no Brasil, principalmente em áreas urbanas. Pesquisadores do INPAD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras drogas), com base nos dados do II Levantamento sobre uso de álcool e drogas (LENAD), investigaram o uso de drogas lícitas e ilícitas em 3.007 adolescentes no Brasil entre 14 e 19 anos de idade. Analisaram a existência de padrões de uso de álcool e tabaco, e a possível associação entre o uso dessas substâncias e características sociodemográficas, transtornos mentais (depressão e TDAH – Transtorno e déficit de atenção e hiperatividade) e o ambiente familiar desses jovens.
Os dados revelaram que mais da metade dos adolescentes entrevistados eram usuários regulares de bebidas alcoólicas e que um em cada dez era dependente. Os adolescentes do sexo masculino mais velhos, que vivem em áreas urbanas, foram os mais propensos a apresentar doenças relacionadas ao álcool e ao fumo. Quanto à depressão, Madruga e colaboradores relataram que quase um terço dos participantes informou ter sofrido desse mal, além de serem duas vezes mais propensos a ter transtornos relacionados ao uso do álcool. Em relação à violência doméstica, apesar da forte associação com uso de substâncias ilegais e uso do tabaco, não foi possível detectar qualquer associação da violência doméstica e consumo de bebidas alcoólicas entre os adolescentes. O mesmo ocorreu com o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Apesar da amostra analisada ter quase um em cada dez adolescentes sofrendo com TDAH, não foi encontrada associação entre TDAH e uso de bebidas alcoólicas e/ou de outras substâncias.
Existem dados que mostram que o início do consumo de álcool ocorre em casa e por oferta de algum familiar. Além disso, as principais razões para o uso pesado/frequente de álcool são o prazer, diversão e ansiedade. O uso do álcool ou de outras drogas na família, ter entre 17 e 19 anos de idade, ser do sexo masculino, ter usado precocemente bebidas alcoólicas, ter parceiro sexual casual e a baixa escolaridade materna, são alguns dos principais fatores pessoais e familiares associados ao uso frequente e/ou pesado de álcool. No entanto, existem também fatores ambientais, como a influência de amigos que bebem perto da escola, em bares ou em casa, e a existência de tráfico de drogas no bairro (Matos et al, 2010).
A banalização do consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes é outro aspecto a ser considerado, alertam os pesquisadores do INPAD. Aqueles que são coniventes com esse comportamento devem se conscientizar de que as consequências negativas ligadas ao uso do álcool podem ter grande impacto na vida desses adolescentes, como um pior rendimento nos estudos, problemas sociais, prática de sexo sem proteção e/ou sem consentimento, maior risco de suicídio ou homicídio, e acidentes relacionados ao consumo.
No que diz respeito às políticas de controle de uso e venda de álcool, só recentemente a venda de bebidas alcoólicas foi limitada nas principais rodovias do país, e o limite de álcool no sangue para motoristas foi reduzido para 0,02 g/l. No entanto, é fácil o acesso às bebidas alcoólicas em bares, clubes e até em padarias. Esta ampla disponibilidade de álcool em áreas urbanas pode explicar porque os adolescentes que vivem em áreas urbanas têm maior risco de consumo regular e excessivo de álcool.
O fenômeno da precocidade e regularidade no consumo de álcool está realmente acontecendo entre os jovens. No Brasil, o consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens se inicia por volta dos 12 anos de idade, ainda na pré-adolescência. No I Levantamento Nacional sobre padrões de consumo de álcool na população Brasileira, os jovens de 18 a 25 anos relataram que o início do consumo ocorreu em média aos 15,3 anos de idade, mas o consumo regular começou em média aos 17,3 anos de idade. Isso revela uma diferença significativa entre o começo da experimentação e do seu uso regular. Além disso, o levantamento mostrou que mesmo sendo proibido o consumo por menores de 18 anos, quase 35% dos adolescentes menores de idade consomem bebidas alcoólicas ao menos 1 vez no ano, e 24% dos adolescentes bebem pelo menos 1 vez no mês.
O beber com maior risco em um curto espaço de tempo, ou o beber em binge (acima de 5 doses para os homens e 4 doses para as mulheres), é a prática que mais deixa o adolescente exposto a uma série de problemas de saúde e sociais. É na quantidade de doses tomadas em um único dia que o beber como lazer pode se transformar em uso nocivo do álcool. No estudo do INPAD, a idade se associou significativamente com o abuso/dependência de bebidas alcoólicas e a ocorrência do padrão de consumo pesado episódico de álcool. Além disso, as chances de abuso/dependência de álcool e consumo excessivo de álcool foram muito maiores nos meninos do que nas meninas. Segundo o I Levantamento Nacional sobre padrões de consumo de álcool na população Brasileira, 13% do total dos adolescentes (17% para os meninos) apresenta padrão intenso de consumo de álcool, e outros 10% dos adolescentes consomem ao menos 1 vez no mês e potencialmente em quantidades arriscadas.
Os adolescentes são um grupo populacional muito vulnerável ao vício e necessitam de uma atenção especial. Conforme comentamos em notícia anterior publicada em nosso portal, ações com um maior enfoque para jovens de 18 a 24 anos, são fundamentais, uma vez que esse é o grupo etário com maior consumo de álcool. O conhecimento dos fatores pessoais, interpessoais, familiares e ambientais associados ao consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes deve ser considerado na implementação de programas escolares e políticas públicas de prevenção, visando comportamentos que minimizem a exposição ao risco associado e redução do impacto negativo na vida adulta (Matos et al, 2010).
Além da necessidade de se preencher a atual lacuna no setor da saúde e bem-estar social para adolescentes, são necessárias ações voltadas para o ambiente familiar e potenciais fatores de proteção e de risco que envolve os hábitos dos pais. Mudanças políticas na esfera tributária, tais como um aumento nos impostos sobre as bebidas alcoólicas, bem como um maior controle da oferta e do acesso ao álcool podem ser considerados pontos de partida fundamentais para uma mudança na epidemiologia de consumo de bebidas alcoólicas por adolescentes.
Referências Bibliográficas
Madruga CS, Laranjeira R, Caetano R, Pinsky I, Zaleski M, Ferri CP. Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil–a national survey. Addict Behav [periódico na internet]. 2012 Oct [acesso em 29 maio 2013];37(10):1171-5. Disponível em: http://inpad.org.br/wp-content/uploads/2013/03/Madruga5.pdf
Matos AM, Carvalho RC, Costa MCO, Gomes KEPS, Santos LM. Rev Bras Epidemiol [periódico na internet]. 2010 [acesso em 29 maio 2013];13(2):1-12. Disponível em: http://www.scielosp.org/pdf/rbepid/v13n2/en_12.pdf
Laranjeira R, Pinsky I, Zaleski M, Caetano R, organizadores. I Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira. Brasília: Secretaria Nacional Antidrogas; 2007 [acesso em 29 maio 2013]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_padroes_consumo_alcool.pdf
Entrevista com:
Muito bom.
Isso não faz bem para a saúde!