Indicador do Observatório sobre este tema:
ind010401
Promover o aumento do consumo de frutas, legumes e verduras (FLV) tornou-se uma prioridade em saúde pública em vários países na última década. No entanto, no Brasil, esse consumo tem se mostrado aquém do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que preconiza uma ingestão de 400 g/dia de frutas e verduras, o que equivale a cinco porções/dia (três de frutas e três de legumes e verduras) (Brasil, 2006).
Estima-se que 2,7 milhões de mortes possam ser evitadas no mundo anualmente com o consumo adequado de FLV (WHO, 2003), comportamento que está fortemente associado à redução da incidência de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e alguns tipos de cânceres. Segundo a OMS, é possível estimar que 19% dos cânceres gastrointestinais, 31% das doenças isquêmicas do coração e 11% dos acidentes vasculares são decorrentes do consumo insuficiente de FLV.
Segundo dados do IBGE (2010), de modo geral, nas últimas três décadas não houve diferença significativa no comportamento da população brasileira no que se refere ao consumo de FLV. Existem evidências de que as mulheres consomem mais FLV do que os homens. No entanto, quando comparados ambos os sexos, o maior consumo foi observado entre os indivíduos mais velhos e os com maior escolaridade (Figueiredo et al., 2008).
Uma das principais fontes de dados nacionais de consumo de FLV é o sistema VIGITEL (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), que foi implantado no Brasil em 2006, pelo Ministério da Saúde, para contribuir no monitoramento da frequência e da distribuição dos principais fatores determinantes das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Em uma das análises feitas com esses dados, realizada pelo departamento de Nutrição Humana da Universidade de Brasília (UnB), o padrão de consumo alimentar no Brasil apresentou adequação da dieta às recomendações nutricionais, a exceção do consumo excessivo de açúcares livres: 16,4% das calorias totais, quando o recomendado não deve ultrapassar 10,0%, segundo o departamento de agricultura dos Estados Unidos, além da insuficiente participação de FLV na alimentação (Araújo da Silva, 2011). Esses comportamentos considerados inadequados pela OMS foram observados principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que são as regiões mais desenvolvidas economicamente. Nas áreas urbanas e nas famílias de maior renda, além do consumo insuficiente de FLV e do consumo excessivo de açúcares, comuns a todos os estratos, houve também consumo excessivo de gorduras em geral. Os pesquisadores verificaram também uma mudança no padrão de alimentação, pois alimentos como o feijão, arroz e a farinha de mandioca, tiveram a disponibilidade reduzida e houve um crescimento da participação de alimentos processados prontos para consumo, como pães, embutidos, biscoitos, refrigerantes e refeições prontas (Araújo da Silva, 2011).
Nos dados analisados pelo nosso Observatório em Iniquidades em Saúde, o indicador de estilo de vida referente à taxa de prevalência do consumo recomendado de frutas e verduras (Ind010403), se baseou nos dados do VIGITEL, e apontou que os mais escolarizados (12 anos e mais) apresentavam quase o dobro (27,9%) da proporção de consumo adequado de FLV do que os menos escolarizados (0-8) (14,9%). Essa tendência se repetiu nos anos de 2008, 2009 e 2010 e a prevalência de consumo recomendada de frutas e verduras no Brasil apresentou um gradiente com relação à escolaridade. Quanto menor a escolaridade menor a proporção de consumo adequado de FLV. Vale também chamar a atenção para o fato de que mesmo entre os mais escolarizados menos de 1/3 consome FLV na quantidade recomendada. As regiões Sul (20,3%), Sudeste (20,3%) e Centro-Oeste (21,3%) foram as que mais consumiram a quantidade recomendada, apresentando um grande contraste com as regiões Norte (12,5%) e Nordeste (14,9%).
Há, ainda, a questão da distribuição e oferta de alimentos entre as macrorregiões, que apresentam grandes diferenças. O Sudeste é responsável por quase 60% do volume comercializado de frutas no país, seguido do Nordeste e do Sul. A região Norte é a que possui menor percentual, provavelmente devido à sua baixa quantidade de entrepostos. O mesmo ocorre com as hortaliças, a região Sudeste responde por 72,9% da comercialização, seguida por uma diferença considerável em relação à região Sul (20,28%), Nordeste (3,86%), Centro-Oeste (2,79%), e Norte (0,08%) (CONSEA, 2010). Visto que a disponibilidade de mercados em menor ou maior concentração permite o acesso à FLV, é possível que essa distribuição e comercialização desigual de FLV interfiram no consumo da população. Outro problema é o preço do produto que chega ao feirante. Em Manaus, por exemplo, o cacho da banana chega ao feirante pelo valor de R$10,00, em São Paulo, o preço é em torno de R$ 3,00. Isso ocorre porque a logística é ruim devido à distância dos grandes centros distribuidores e devido aos altos valores do frete que encarecem o produto e restringem o acesso do consumidor final.
No Brasil, podemos destacar ações de incentivo ao consumo de FLV promovidas pelo governo. No entanto, as diferentes áreas do governo brasileiro vêm enfrentando o desafio de consolidar uma Estratégia Brasileira de Incentivo ao Consumo de Frutas e Hortaliças para a Promoção da Saúde (Brasil, 2009). Dentro do manual de ações de incentivo ao consumo de frutas e hortaliças do governo brasileiro existem propostas como: incluir a questão da publicidade de alimentos e o controle do uso de agrotóxicos na esfera educativa; articular as ações de educação alimentar e nutricional com as de abastecimento e agricultura familiar, bolsa família, e agricultura urbana; incentivar a consolidação das feiras locais como instrumento de melhoria para a seleção e aquisição de alimentos saudáveis; e priorizar a aquisição de alimentos para a alimentação escolar com produtos da agricultura familiar, possibilitando a formação de hábitos alimentares saudáveis e propiciando o desenvolvimento local. No entanto, experiências palpáveis, como a de Florianópolis e a de Curitiba, servem de exemplo de sucesso.
Em Florianópolis foram criados estabelecimentos (atualmente denominados “Diretos do Campo”) que comercializam frutas e hortaliças a baixo preço e que se localizam em diversos pontos da cidade, inclusive na maioria dos bairros periféricos e menos privilegiados, influenciando positivamente a participação desses alimentos no padrão alimentar da população. Outro excelente exemplo são as Redes de Ambientes Saudáveis de Curitiba, que através do compromisso de pessoas e instituições, da colaboração intersetorial e da participação das comunidades locais, sensibilizou e mobilizou o desenvolvimento de políticas públicas de saúde e desenvolvimento local. O ambiente escolar promotor de saúde faz parte das estratégias das Redes de Ambientes Saudáveis, onde se tem uma política de nutrição, um currículo apropriado, uma orientação adequada aos alunos, a integração entre o serviço de alimentação da escola e educação nutricional, com treinamento de funcionários e professores, além do envolvimento da família e da comunidade. Em Curitiba existem as “cantinas saudáveis” que também representam uma boa estratégia para promover a alimentação saudável na escola, onde há uma possibilidade real de “tornar as escolhas saudáveis as escolhas mais fáceis”.
É preciso deixar claro que o perfil de adoecimento e o estado nutricional são fenômenos dinâmicos. Eles ocorrem dentro de um panorama de desigualdades sociais em saúde, onde há justaposição de doenças decorrentes de condições de saneamento, moradia e dificuldade de acesso aos serviços de saúde, somadas a fatores de risco específicos, como alimentação inadequada e o hábito de consumir alimentos ricos em energia e pobres em nutrientes, inatividade física, tabagismo e uso excessivo de bebidas alcoólicas (Brasil, 2010; Araújo da Silva, 2011). Os fatores que influenciam as escolhas alimentares não se baseiam unicamente nas preferências de cada indivíduo. Na verdade, são influenciados por circunstâncias sociais, culturais e econômicas. Políticas públicas que visem o incentivo a uma alimentação saudável e ao consumo ideal de FLV devem considerar uma estrutura multidimensional de planejamento e atuação que fortaleça e incentive a criação de ambientes promotores de saúde.
Referências Bibliográficas
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Por Gabriela Lamarca e Mario Vettore
*Foto da home: Portal FNDE
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