O círculo vicioso da iniquidade: escassez de políticas públicas, fatores ambientais e econômicos e falta de infraestrutura favorecendo riscos

Deslizamentos destruíram diversas cidades da região serrana do RJ/ Imagem: Agência Brasil-Valter Campanato

Indicador do Observatório sobre este tema:
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Em todo o mundo catástrofes vitimam majoritariamente habitantes de países pobres. Nos últimos 40 anos mais de 3,3 milhões de óbitos aconteceram em circunstâncias de desastres como chuvas e terremotos, concentrados nas regiões mais carentes do mundo. A ocorrência de grandes desastres no Brasil em função de chuvas, deslizamentos e das más condições de moradia e vida da maioria de suas vítimas, evidencia a relação entre economia, má distribuição de renda e danos causados pela falta de infraestrutura e planejamento urbano. São exemplos as recentes tragédias ocorridas no estado do Rio de Janeiro, tanto em 2010, com o desabamento do Morro do Bumba (comunidade erguida sobre um antigo lixão em Niterói), quanto em 2011, nos deslizamentos de encostas na região serrana, que revelaram a vulnerabilidade e a inadequação das moradias.

Dados coletados pelo governo federal revelam que boa parte da população do Brasil vive em condições precárias de habitação. Em 2010 o Censo registrou que o país possuía 6.329 aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, mocambos, palafitas, entre outros) em 323 dos 5.565 municípios brasileiros. Nestas áreas, segundo a pesquisa, estavam instaladas 11.425.644 pessoas, o correspondente a 6% da população brasileira. Estas encontravam-se em 3.224.529 domicílios. Ainda de acordo com o Censo este tipo de moradia é encontrado com frequência em encostas no Rio de Janeiro, áreas de praia em Fortaleza, vales profundos em Maceió (localmente conhecidos como grotas), baixadas permanentemente inundadas em Macapá, manguezais em Cubatão, igarapés e encostas em Manaus. Do total destas moradias 49,8% estão na Região Sudeste, conforme mostra a (Tabela 1).

A questão da ocupação irregular e a criação de comunidades inteiras em áreas de encostas e locais sem condições de abrigar moradias dignas ultrapassa o âmbito do planejamento urbano, uma vez que a proliferação de residências nestas áreas também está ligada a migração desordenada de populações que seguem para os grandes centros em busca de melhores condições de vida, de emprego e oportunidades. Dados apontam que em 2008 a população vivendo em centros urbanos atingiu a maioria. A estimativa é a de que em 2030 aproximadamente 60% da população esteja concentrada nestas áreas e que em 2050 esta porcentagem atinja 75%.

Fatores econômicos influenciam diretamente nas condições de vida e saúde das populações mais pobres. Uma análise brasileira, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2011, com base na Pesquisa Mensal de Emprego (PME/IBGE), demonstrou as desigualdades sociais também no que se refere às taxas de ocupação da população, apontando uma relação entre as camadas que ganham menos, e o desemprego. Segundo os técnicos do IPEA, da população entre os 10% que ganham mais e os 10% que ganham menos, foi constatado que a diferença nos índices de desemprego dos dois grupos, que em 2005 era de 11 vezes, passou a ser de 37 vezes em 2010. Ainda de acordo com a análise, enquanto nas regiões metropolitanas de Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Recife, a taxa de desemprego geral caiu 31,4% de dezembro de 2005, para o mesmo mês de 2010, entre os 10% mais pobres apresentou crescimento de 44,2%. A ausência da renda colabora para a piora nas condições de vida da população mais pobre. Sem renda, estes trabalhadores não tem como arcar com os custos de alimentação, saúde e moradia em local adequado.

Populações de áreas degradadas estão claramente mais vulneráveis aos perigos gerados pela ocupação de moradias inadequadas. Além do risco social, com a falta de opção e oportunidade, do risco ambiental pela maneira como vivem, na maioria das vezes sem acesso às redes de esgoto, água potável e coleta de lixo, estes indivíduos vivem a iminência do aparecimento de doenças como a leptospirose, infecções gastrointestinais e hepatite. De acordo com o Atlas do Saneamento (IBGE/2011), há registro de ausência de rede coletora em 2.495 municípios do Brasil. Ainda segundo os dados, a falta da rede de esgoto é uma realidade em boa parte dos municípios com menos de 50 mil habitantes, no país. Já pesquisa VIGITEL, cujas informações estão registradas no Observatório de Iniquidades em Saúde, neste portal, revelou, com base em dados de 2009, que a região Centro-Oeste é a que possui menor porcentagem no que diz respeito à população servida por esgotamento sanitário. A região Sul é a que conta com a maior parte da população com acesso à rede de esgoto no país.

A vulnerabilidade social e econômica e as condições ambientais dificultam e até impossibilitam o acesso a elementos fundamentais para uma vida sadia, tais como: emprego, renda, educação, moradia, saúde e alimentação. Em outras palavras, cria condições insalubres de existência. Para que se promova a saúde e a equidade nas sociedades mais pobres, é fundamental tratar a pobreza como um problema que ultrapassa a questão monetária e interfere principalmente nas condições de vida e trabalho dos indivíduos.

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