Batalha entre o SUS formal e o real perpetua as iniquidades em saúde

Criado em 1988 com a promulgação da atual Constituição Federal, o Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro nasceu sob o propósito de garantir o acesso gratuito aos serviços de saúde a todo cidadão. Superando um modelo no qual este serviço público era destinado apenas aos trabalhadores com carteira assinada, o SUS reconheceu a saúde como direito básico de todo indivíduo e propôs universalizar este acesso, guiado por princípios que devem reger sua atuação: descentralização, integralidade e participação social.

Vinte e cinco anos após sua criação, o SUS foi responsável pela ampliação das ações e serviços de saúde no Brasil, mas ainda se depara com dificuldades e não consegue atuar plenamente dentro do que se propõe. Para o médico e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Jairnilson Paim, os obstáculos encontrados no processo de aprimoramento da atuação do SUS estão na estrutura da sociedade e, sobretudo, no papel desempenhado pelo Estado em relação aos interesses econômicos das classes dominantes e na falta de articulação das classes submissas. “Entre os princípios básicos do “SUS formal” e os interesses econômicos e políticos do “SUS real” existe um espaço para a luta política daqueles que defendem a democratização da saúde e a radicalização da democracia e da Reforma Sanitária Brasileira”, defende.

O SUS funciona a partir da interação entre os níveis federal, estadual e municipal de gestão, que dividem as responsabilidades tanto orçamentárias (a União assume metade dos gatos), quanto operacionais. O sistema conta, ainda, com os Conselhos de Saúde, que todos os estados e municípios devem ter e que são compostos por representantes dos usuários, dos prestadores de serviços, dos profissionais de saúde e dos gestores. Os conselhos assumem a função de fiscalizar a aplicação dos recursos públicos destinados à saúde, o que exige mobilização e participação social ativa para resultados concretamente positivos.

Dificuldades no acesso às consultas, exames e atendimento específico, longos períodos de espera e falta de estrutura e de pessoal são algumas das falhas que contribuem com a perpetuação das iniquidades na saúde e que atestam as dificuldades do SUS em seguir, com excelência, os caminhos traçados por seus princípios. Para o médico, professor e pesquisador do Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Djalma Agripino, as deficiências nos serviços prestados pelo SUS atingem a todos os cidadãos brasileiros. “No caso de um sistema de saúde que se pretende universal e igualitário, ousaria afirmar que todos os cidadãos se prejudicam com tais deficiências. Diante das violências e acidentes, das epidemias como a dengue ou dos produtos e serviços com riscos sanitários, todos são vulneráveis”, explica. Para ele, o SUS deve priorizar os excluídos sociais, os pobres, as crianças, as mulheres, os negros, os portadores de necessidades sociais e os trabalhadores informais sem perder de vista a perspectiva da universalidade. “Essa atenção diferenciada se justifica pela elevada magnitude ou pelos maiores riscos a que estão submetidos esses grupos sociais”, pondera.

Para Paim, a classe trabalhadora e o povo, de uma maneira geral, são os mais prejudicados com estas carências do SUS, mas o professor acredita que a questão vai além desse aspecto. “Há uma armadilha posta nessa discussão quando esses grupos são identificados apenas como carentes ou pobres, de um lado, ou consumidores, de outro, perdendo-se as dimensões de classes e da cidadania que poderiam fundamentar perspectivas distintas de organização e de mobilização políticas”, considera.

Segundo os pesquisadores, o SUS tem um longo caminho a percorrer no processo de garantir o sucesso dos objetivos traçados por seus princípios e esta é uma ferramenta da mudança do panorama da Saúde Pública no Brasil. A melhoria dos serviços oferecidos e a compreensão da saúde não apenas como um direito de todos, mas como uma prioridade do Estado, é fundamental para melhorar as condições de vida de cada brasileiro e deve estar acima de interesses ou expectativas de pequenos grupos ou das mudanças políticas.

A construção de um novo cenário na saúde brasileira só pode ser realizada dentro de um plano de articulações complexas, que envolvem mais do que a ampliação do acesso aos serviços de saúde. “A ação dentro do SUS é necessária, mas não é suficiente para mudar padrões ou perfis de morbimortalidade. Um conjunto de políticas sociais, que erradiquem a pobreza, incluindo a distribuição de renda, o acesso ao trabalho, à educação, ao saneamento, à habitação, ao transporte e ao lazer, deve ser implementado”, destaca Agripino.

A participação social, a construção de uma consciência coletiva com a ampliação das bases sociais e políticas são instrumentos desta mudança e devem ser exercitados por todos. O Sistema Único de Saúde brasileiro deve ser universal não apenas em suas fundamentações teóricas e deve atuar, de fato, sob este princípio, não só atendendo às classes econômica e socialmente lesadas, mas atingindo, como se propõe, a todos.

Referências Bibliográficas

Ministério da saúde, Conselho Nacional dos Secretários de Saúde. Diretrizes operacionais dos Pactos pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão . Brasília: Ministério da saúde; 2006. v.1. [acesso em 20 jan 2013]. Disponível em: https://saude.mppr.mp.br/arquivos/File/volume1.pdf

Ministério da saúde. Entendendo o SUS. Brasília (DF); 2006 [acesso em 20 jan 2013]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/entendendo_o_sus.pdf

Ministério da Saúde, Secretaria Executiva. Sistema único de saúde (SUS): princípios e conquistas. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2000 [acesso em 20 jan 2013]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/sus_principios.pdf

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1 Comentário

  1. Todos nós temos um função no SUS. Além dos princípios formalizados em nosso sistema de saúde, o amor ao próximo deve ser nossa bússola.
    “….O amor é benigno; o amor não se porta inconvenientemente, não busca os seus próprios interesses…( 1º Coríntios 13:4-7).

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