Como os brasileiros usam os serviços de saúde?

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Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública ENSP/FIOCRUZ, conduziram uma pesquisa para identificar como os brasileiros usam os serviços de saúde. Os autores Porto, Dominguez Ugá e Silva Moreira – analisam a utilização dos serviços segundo o sistema de financiamento seja pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja pelos planos e seguros privados de saúde, ou ainda pela compra de serviços com pagamento direto durante o período 1998-2008. No caso do SUS, ele é financiado por recursos das três esferas de governo; os planos e seguros de saúde privados são financiados pelos pagamentos efetuados pelos beneficiários individuais ou pelas empresas que os empregam através de planos coletivos, e finalmente, há pessoas que utilizam serviços de saúde mediante o pagamento direto. Para fazer a análise os autores se servem dos dados produzidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), e das respostas a uma série de perguntas que permitem identificar o sistema de financiamento pelo qual se deu a utilização dos serviços. O questionário foi administrado nas duas semanas que antecederam a realização das PNAD, e permitiu identificar se a utilização dos serviços era coberta pelo SUS, pelos planos de seguros privados, ou mediante pagamento direto no ato de consumo (chamado “out-of-pocket”)[1]. A análise considerou os atendimentos e as internações feitas no país, segundo: a) o sistema de financiamento, b) por região, c) por decil de renda. No que segue apresentaremos alguns dos resultados que mais chamando à atenção.

Atendimentos

Para os atendimentos o artigo assinala os seguintes resultados: “Segundo a PNAD 2008, o SUS financiou nesse período os atendimentos de mais da metade das pessoas que os utilizaram no país (58,6%). Seu maior protagonismo se deu nos atendimentos por quimio e radioterapia, hemodiálise e hemoterapia (financiando 73,3% dos mesmos), nas consultas médicas (62,7%) e nos exames complementares (59,2%)”. Quase a metade das mamografias feitas no país são financiadas pelo SUS (43% do total); no caso do Papanicolaou trata-se de pouco mais da metade (53% do total) (Tabela 1). Quando consideramos os atendimentos por região o financiamento do SUS é predominante em todas as regiões e especialmente no Norte e Nordeste (com cobertura de 71% dos atendimentos) possivelmente devido à expansão do Programa de Saúde da Família nessas regiões, entre 1998 e 2003 (Tabela 1). Se considerarmos os atendimentos por decil de renda da população verifica-se que o SUS continua sendo predominante, cobrindo 88% dos atendimentos realizados pelas pessoas mais pobres e pouco mais da metade (56%) dos utilizados pelo sétimo decil[2]. Um dado que chama a atenção é que o SUS financiou 17% dos atendimentos usados pelo decil mais rico da população, o que provavelmente se deve, segundo os autores, ao controle das operadoras de planos de saúde da utilização dos serviços (Tabela 1). Em matéria de atendimentos financiados pelos planos privados observa-se uma participação pouco expressiva representando apenas 27% dos casos. Quando se trata de quimio e radioterapia, hemodiálise e hemoterapia, o financiamento cai para 24,2%[3]. Finalmente, o gasto privado direto financiou apenas 14% dos atendimentos a nível nacional e é altamente concentrado nas consultas odontológicas (51,6%) (Tabela 1). O caso da odontologia merece uma atenção particular. A incorporação desse profissional nas equipes do Programa Saúde da Família e a implantação do Programa Brasil Sorridente em 2004 fizeram com que a participação do SUS aumentasse, financiando em 2008, pouco mais de 30% dos atendimentos. E mais ainda, o número de pessoas que declaram ter usado consultas odontológicas no Brasil cresceu, entre 2003 e 2008, um 90%, confirmando uma melhora no acesso a consultas odontológicas. Para esse período o SUS mais que duplicou o número de consultas por ele financiadas (Viacava, 2010).

Internações

Porto e colaboradores afirmam: “Em 2008, da mesma forma que nos anos anteriores, o SUS foi responsável pelo financiamento da maior parte das internações efetuadas no pais, 69,6% das mesmas, segundo a PNAD, foram financiadas pelo setor público” (Tabela 2). As principais áreas financiadas foram os partos normais (91,7%), o tratamento psiquiátrico (78,1%) e o tratamento clínico (76,3%) (Tabela 2). Nas internações para realização de exames a participação do SUS foi inferior, mas também importante (68,9%). Neste ponto, o financiamento dos planos privados de saúde correspondeu a 24,8% das internações realizadas no país (dentre estas 38,9% corresponderam a internações cirúrgicas e 31% a partos cesáreos). O gasto privado cobriu apenas 5,7% delas. Se consideramos as internações por região, o SUS continua sendo predominante em todas as regiões do país, principalmente, no Nordeste (83,9%) e Norte (81,8%). A participação no financiamento das internações dos planos privados de saúde se deu principalmente na região Sudeste (35,7% das internações) apresentando também percentuais importantes nas regiões Sul (25,7%) e Centro-Oeste (23,6%). O gasto privado direto foi residual (não representativo), em todas as regiões (Tabela 2). Finalmente, no que diz respeito as internações por decil de renda da população o SUS predomina no financiamento dos decis de mais baixa renda (até o sétimo decil); no oitavo decil o SUS cobre 50,8% das internações e a partir do nono decil (mais rico) deixa de ser preponderante. Nos decís mais ricos da população as internações são financiadas, majoritariamente, pelos planos privados de saúde. Apesar disso, observa-se um aumento da participação do SUS no financiamento das internações da população dos decis de maior renda, entre 2003 e 2008 (de 19% a 23,4%) provavelmente devido – como no caso já mencionado dos atendimentos – ao controle das operadoras de planos de saúde da utilização dos serviços. Também se verificou um aumento, ainda que pequeno, da participação dos planos de saúde no financiamento das internações de pessoas situadas nos decis mais pobres que pode se-explicar pelo aumento da formalidade do emprego observado nos últimos anos e pelo fato de que a maior parte dos planos de saúde são coletivos (promovidos pelas empresas) (Tabela 2). Os autores identificam importantes desigualdades na utilização dos serviços tanto nos atendimentos quanto nas internações. Para os atendimentos 7,9% dos usuários do SUS os utilizaram enquanto que para as pessoas que possuem plano de saúde a porcentagem foi mais que o dobro (18,9%); mesma situação é observada nas internações (4,8% das pessoas que usam o SUS se internaram em 2008, contra 8% das pessoas com plano privado) (Tabela 4). Considerando o decênio 1998-2008 observa-se um contínuo aumento da taxa de utilização do SUS (passou de 6,2% a 7,9% para atendimentos e de 4,3% a 4,8% nas internações). Esse aumento pode se explicar tanto pela expansão da cobertura do Programa de Saúde da Família quanto pela maior utilização dos serviços SUS por parte de pessoas possuidoras de plano de saúde (Tabela 5).

Discussão

Na discussão final do artigo, Porto e colaboradores destacam e resumem as questões seguintes: 1) O SUS é o principal financiador dos serviços utilizados pela população brasileira, nos atendimentos como também, e principalmente, nas internações; 2) o crescimento do protagonismo no financiamento por parte do SUS, observado no decênio 1998-2008, corresponde ao período 1998-2003, e não se observa entre 2003 e 2008; 3) o SUS mais que duplicou, entre 2003 e 2008, o número de consultas odontológicas por ele financiadas; 4) a participação do SUS no financiamento da utilização de serviços foi preponderante em todas as regiões, sendo maior no Norte e Nordeste com situações sanitárias e socioeconômicas mais precárias; 5) sua participação está concentrada na população de maior baixa renda, mas em 2008, apresenta duas mudanças importantes: por um lado, aumenta o número de atendimentos e internações financiados para a população do primeiro decil de renda (o mais pobre), o que indica uma melhora no acesso dessa população, mas por outro lado, aumenta o financiamento dos atendimentos do último decil e das internações dos dois decís mais ricos da população; 6) existem desigualdades no acesso às internações cirúrgicas financiadas pelo SUS que favorecem o acesso das pessoas com maior renda; 7) a participação dos planos privados de saúde diminuiu, tanto em relação ao financiamento dos atendimentos quanto ao de internações, afetando principalmente as regiões Norte e Nordeste; 8’) o gasto privado direto tem maior participação nos atendimentos ambulatoriais, com preponderância das consultas odontológicas, e uma maior participação nas regiões Sul e Centro-Oeste aumentando na medida em que aumenta a renda da população. Porto e colaboradores, concluem que embora o SUS, não tenha tido um crescimento expressivo no protagonismo do financiamento entre 2003 e 2008, teve duas melhorias destacáveis: o aumento do acesso a serviços de saúde por parte da população mais pobre (primeiro decil de renda), e maior cobertura nos atendimentos odontológicos. Porém, assinalam a necessidade de avançar ainda mais “no alcance dos princípios norteadores do SUS: universalidade, integralidade e equidade”. Estudos como o realizado por Porto e colaboradores podem ter importantes implicações na elaboração de políticas públicas com grandes impactos nas desigualdades sociais existentes no país, ainda marcantes. Essas desigualdades são facilmente identificáveis a partir de informações fornecidas pela PNAD. Interpretadas de forma correta, essas informações podem contribuir positivamente na construção dessas políticas.

Referências Bibliográficas

Porto SM, Ugá MA, Moreira Rda S. Uma análise da utilização de serviços de saúde por sistema de financiamento: Brasil 1998-2008. Ciên Saúde Colet [periódico na internet]. 2011 [acesso em 19 mar 2012];16(9):3795-806. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-81232011001000015&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Viacava F. Acesso e uso de serviços de saúde pelos brasileiros. Radis [periódico na internet]. 2010;96:12-19. Disponível em: https://radis.ensp.fiocruz.br/phocadownload/revista/Radis96_web.pdf


[1] O artigo menciona as seguintes perguntas-guia utilizadas tanto nos atendimentos quanto nas internações : 1) este atendimento de saúde foi coberto por algum plano de saúde? [Alternativas: Sim ou Não]; 2) Pagou algum valor por este atendimento de saúde (…)? [Alternativas: Sim ou Não]; 3) este atendimento de saúde foi feito pelo SUS? [Alternativas: Sim, Não ou Não sabe].
[2] A população pode ser classificada, segundo a renda, em decís. Mais perto do decil 1 significa menor renda e maior pobreza. Os mais ricos colocam-se mais perto do decil 10.
[3] Os autores assinalam que mesmo tendo uma baixa participação desse tipo de atendimento para o período 2003-2008 a porcentagem desses atendimentos passou de 19,4% a 24,4% verificando-se uma tendência de aumento.

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1 Comentário

  1. Esse texto traduz a importância do SUS para o Brasil. Vamos trabalhar para que ele prospere!

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