Indicadores do Observatório sobre este tema:
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Em outubro deste ano o Banco Mundial publicou um interessante estudo sobre a queda da desigualdade de renda na América Latina nos anos 2000, com destaque para os casos de Argentina, Brasil e México (Declining Inequality in Latin America in the 2000s: The Cases of Argentina, Brazil, and Mexico), de autoria de Nora Lustig, da Universidade de Tulane, Luis F. Lopez-Calva, do Banco Mundial e Eduardo Ortiz-Juarez, do Escritório Regional para América Latina e o Caribe do PNUD. O que segue é um resumo traduzido deste documento, com ênfase para o caso brasileiro.
Segundo estes autores, a desigualdade de renda é uma característica da América Latina devido a seu elevado nível e persistência. Entretanto, após aumentar nos anos 90, a desigualdade de renda caiu de maneira consistente nos anos 2000 na maioria dos países. De uma média não ponderada de 0.530 ao final dos 1990s, o coeficiente de Gini para a renda domiciliar per capita caiu para 0.497 em 2010. Dos 17 países para os quais há dados razoavelmente comparáveis, 13 mostraram um declínio, enquanto o Gini aumentou em outras partes do mundo (Figuras 1 e 2).
Figura 1 – Declínio da desigualdade na América Latina por país 2000-2010 (% de mudança anual do coeficiente de Gini)
Fonte: Autores. Cálculos baseados em dados do SEDLAC (CEDLAS and The World Bank), Março 2012 (http://sedlac.econo.unlp.edu.ar/eng/)
Figura 2 – Coeficiente de Gini na Argentina, Brasil e Mexico; c.1990- c.2010
Analisando o caso do Brasil, país conhecido por ter uma das mais altas taxas de desigualdade do mundo, Barros et al. (2010) lembram que o coeficiente Gini no Brasil chegou a 0,630, quase um recorde histórico e mundial. Após ter subido em 1970 e 1980 e experimentado quase nenhuma mudança na década de 1990, o coeficiente de Gini para a distribuição de renda domiciliar per capita diminuiu de forma constante a partir de 1998, especialmente, desde 2002. Entre 1998 e 2009, o coeficiente de Gini do Brasil caiu de 0,592 para 0,537. No período 2002-2009, a renda dos 10 por cento mais pobres cresceu a quase sete por cento ao ano, quase três vezes a média nacional (2,5 por cento), enquanto que a dos 10 por cento mais ricos cresceu apenas 1,1 por cento ao ano. Entre 50 e 60 por cento do declínio na pobreza extrema pode ser atribuída à redução da desigualdade. Se não houvesse essa redução da desigualdade, para se obter a mesma redução na pobreza extrema, o total da renda per capita do Brasil precisaria crescer quatro pontos percentuais adicionais por ano (Barros et al., 2010).
Nos anos 2000 a desigualdade de renda do trabalho e a não relacionada ao trabalho diminuiu, assim como as diferenças salariais entre trabalhadores de diferentes habilidades, que vivem em locais diferentes, e trabalhando em diferentes setores (formal / informal; primário / secundário). Também durante este período, o salário mínimo real aumentou e as transferências públicas aumentaram tanto em termos de valor médio dos benefícios como em termos de cobertura. Perguntam-se os autores: qual foi a importância desses fatores para explicar o declínio geral da desigualdade?
Barros et al. constataram que as mudanças na distribuição da renda domiciliar per capita (adultos) proveniente do trabalho foram responsáveis por 51% da queda na desigualdade entre 2001 e 2006, devido a um crescimento significativo do rendimento médio do trabalho por trabalhador adulto e a um declínio moderado na sua desigualdade. Em contraste com a Argentina, a contribuição das mudanças no emprego foi bastante limitada; trabalhadores provenientes de famílias relativamente pobres não estiveram entre os que mais se beneficiaram da criação de empregos durante este período.
A queda da desigualdade na distribuição da renda do trabalho por trabalhador adulto foi determinada, entre outras coisas, por mudanças na distribuição da escolaridade. Os anos 1990 e 2000 foram marcados por uma acelerada expansão da educação básica no Brasil. O coeficiente de Gini para a educação, medido em anos de escolaridade formal, caiu de 0,479 em 1990 para 0,349 em 2009. Isso mudou a composição da força de trabalho por nível de educação tornando-se relativamente menos abundantes os trabalhadores pouco qualificados e não qualificados. Esta mudança na qualificação da mão de obra deveria ter puxado para baixo os ganhos diferenciais por nível de escolaridade (ou seja, o prémio de competências). Na realidade, efetivamente caíram os retornos relativos à educação, particularmente para o ensino secundário e superior vis-à-vis os trabalhadores sem escolaridade ou com fundamental incompleto.
Barros et al. argumentam que o declínio na desigualdade de rendimentos do trabalho também é explicado por uma redução na segmentação espacial e setorial do mercado de trabalho. As diferenças salariais entre trabalhadores similares em áreas metropolitanas e nos municípios de médio e pequeno porte caíram, assim como as diferenças salariais entre trabalhadores urbanos e rurais, e entre os que trabalham no setor primário e em outros setores. Ainda não está claro quais fatores explicam esta tendência. Talvez tenha havido uma expansão relativamente maior de alguns setores produtivos na agricultura brasileira em oposição às áreas metropolitanas / industriais, aumentando assim a demanda por mão de obra e elevando os salários nos municípios médios e menores.
A análise de Barros et al. sugere que quase 50 por cento do declínio na desigualdade de renda foi devido a uma distribuição mais equitativa do rendimento familiar por adulto não relacionado ao trabalho. Os autores se perguntam, então, quais são os determinantes dessa diminuição da desigualdade de renda não relacionada ao trabalho?. A contribuição de mudanças na distribuição de renda de ativos (aluguéis, juros e dividendos) e de transferências privadas tendeu para aumentar a desigualdade, mas foi pequena. Em contraste, a contribuição das transferências governamentais tendeu a diminuir as desigualdades e foi relativamente grande.
Segundo Bergolo et al. (2011) o efeito de equalização das transferências governamentais deveu-se essencialmente à expansão de sua cobertura, especialmente entre os pobres. Entretanto, quando as transferências governamentais são desagregadas em programas de previdência social e transferências de dinheiro, observa-se uma diferença entre ambos. A contribuição de equalização da previdência social surge principalmente a partir de um declínio em sua desigualdade e muito menos de uma expansão de cobertura. Nos casos do Benefício de Prestação Continuada, uma transferência para os idosos e deficientes, e do Bolsa Família, a sua contribuição para a equalização ocorre principalmente em consequência de uma expansão de cobertura e, em menor grau, devido a um aumento no tamanho médio da transferência .
Em suma, o declínio na desigualdade de renda no Brasil na década de 2000 é consequência tanto da queda da desigualdade no rendimento do trabalho como da queda da desigualdade no rendimento não relacionado ao trabalho, ambos contribuindo com peso aproximadamente igual (pelo menos até 2006). Barros et al. concluíram que o impacto direto de fatores demográficos não foi muito significativo. Mudanças na relação de dependência, emprego e desemprego entre os pobres também tiveram importância relativamente menor.
O declínio na desigualdade de renda do trabalho é o resultado de dois fatores principais: (i) prêmio menor por nível de escolaridade, (ii) menor segmentação espacial e setorial dos mercados de trabalho, em particular entre as áreas metropolitanas e não-metropolitanas. A queda no prêmio por nível de escolaridade parece ser causada tanto por mudanças na composição da oferta e da procura, como pelo aumento do salário mínimo. A importância relativa de cada fator, no entanto, deve ser objeto de futuras pesquisas.
Tal como acontece com a Argentina, o declínio da desigualdade de renda não relacionada ao trabalho deve-se principalmente à expansão da cobertura das transferências de renda governamentais direcionadas aos pobres e, no caso da previdência social formal, a um aumento no valor da transferência média. Salários mínimos mais altos são responsáveis por esse aumento porque os benefícios previdenciários são indexados ao salário mínimo.
Em suas observações finais os autores destacam que durante a primeira década deste século, a desigualdade de renda na maioria dos países da América Latina tem diminuído. O declínio tem sido estatisticamente significativo e robusto independentemente de mudanças no intervalo de tempo considerado, de medidas de desigualdade utilizadas, bem como da definição das fontes de renda e de dados. Os resultados das análises em profundidade para a Argentina, Brasil e México revelam dois principais fatores subjacentes: a queda do ganho adicional de acordo com a escolaridade e transferências governamentais mais progressistas.
No entanto, advertem os autores, a dinâmica redistributiva pode ser difícil de sustentar. Enquanto escolaridade tornou-se significativamente mais igual, o mesmo não pode ser dito sobre a distribuição da qualidade da educação. A experiência dos Estados Unidos deve servir a América Latina como um aviso do que ainda pode estar por vir. Nos Estados Unidos, a desigualdade de rendimentos aumentou significativamente desde a década de 1980, porque o prémio para habilidades por escolaridade aumentou. Isto ocorreu porque houve uma desaceleração no ritmo de entrada dos trabalhadores com ensino superior no mercado de trabalho e, em menor medida, por causa das mudanças tecnológicas que requerem maiores habilidades. A baixa qualidade da educação nos níveis mais básicos gerou egressos do ensino médio despreparados para ingressar no ensino superior e com isso o crescimento do nível de escolaridade estagnou. Além disso, as condições favoráveis nos termos de troca comerciais não podem ser tomadas como um dado permanente, já que América Latina tem experimentado recorrentes altos e baixos nos termos de troca ao longo de sua história. Em conclusão o declínio na desigualdade não pode ser tido como algo que veio para ficar irreversivelmente. Sua manutenção requer um trabalho árduo de quem toma as decisões sobre políticas.
Referências Bibliográficas
Barros R, Carvalho M, Franco S, Mendonça R. Markets, the state and the dynamics of inequality in Brazil. In: Lopez-Calva LF, Lustig N, editores. Declining inequality in Latin America: A decade of progress? Washington (DC): Brookings Institution and UNDP; 2010. p. 134-174.
Bergolo M, Carbajal F. Cruces G, Lustig N. Impacto de las transferencias públicas en la década de 2000: la experiencia de los países del Cono Sur. Mimeo. CEDLAS, Universidad Nacional de La Plata, Argentina; 2011.
Lustig N, Lopez-Calva LF, Ortiz-Juarez E. Declining Inequality in Latin America in the 2000s: the case of Argentina, Brazil and Mexico; 2012 [acesso em 14 nov 2012]. Disponível em: http://bit.ly/TuzJ84
*Por Alberto Pellegrini Filho
Entrevista com:
achei interessante a pesquisa principalmente quando fala de dados de escolaridade x qualidade da educação; também escolaridade e redução de mão de obra pouco qualificada.