Economia, investimentos e financiamento são áreas diretamente ligadas à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), que caminha para os 60 anos com histórias difíceis para contar, mas também com um papel fundamental na região que representa: fazê-la avançar. Porém, as expressões estudos e pesquisa, desenvolvimento social e sustentabilidade devem ganhar mais destaque, segundo as garantias dadas pelo recém-empossado superintendente da autarquia, João Paulo Lima (PT), ex-prefeito do Recife (PE). Com a chegada atribulada pela falta de estrutura física do órgão – que ilustra as dificuldades enfrentadas ao longo das décadas -, ele destaca que o fortalecimento político da autarquia está entre as prioridades. No entanto, o atendimento às necessidades básicas da população, especialmente o acesso à água, será fortalecido. Nesta entrevista exclusiva ao Portal DSS Nordeste, ele assegura que o maior reflexo desses esforços está traduzido na seguinte meta: fazer a região atingir 21% na participação do PIB brasileiro até 2030. “Não queremos ser iguais a ninguém, queremos condições justas de investimentos e desenvolvimento”, diz João Paulo.
Recolocar a Sudene dentro de seu objetivo inicial é um desafio de décadas. Quando o senhor o aceitou, o que tinha em mente para enfrentá-lo?
A Sudene surgiu, no final de 1959, com a missão de responder ao abandono histórico da Região Nordeste, à época em que os investimentos eram realizados quase que exclusivamente no Sul e no Sudeste do País. Apesar dessa visão ter mudado completamente nos últimos anos, nos governos Lula e Dilma, que tratam – e sempre trataram – a região de forma estratégica, ainda existe uma grande fratura que precisa ser cuidada. Acredito e defendo que temos condições e capacidade de ter uma participação maior na produção nacional e na balança comercial, mesmo em tempos de crise. E para isso, penso que é necessário atuar fortemente em três frentes.
A primeira delas, que já vem acontecendo de forma consistente na Sudene, é o financiamento, através do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e dos incentivos fiscais, de projetos estruturadores – que envolvem o abastecimento de água, a produção de alimentos, o transporte de produtos, o fornecimento de energia limpa, entre outros – e dos empreendimentos que geram emprego e renda para a população – como por exemplo a instalação do Polo Automotivo Jeep da Fiat, em Pernambuco. O desafio, na minha visão, é proporcionar um desenvolvimento que seja inclusivo e sustentável. Temos um fundo, o FDNE, com o volume de R$ 2 bilhões por ano, mas não podemos pensar em crescimento econômico e esquecer das pessoas, especialmente as que vivem nas áreas mais pobres. É preciso impulsionar as grandes empresas, mas também fomentar o desenvolvimento humano. Fazer com que as benfeitorias cheguem para todos.
A segunda frente, que também já vem sendo bem conduzida pelo corpo técnico da Sudene, é relativa aos estudos e as pesquisas para conhecer profundamente a realidade socioeconômica e ambiental dos nove estados nordestinos e também de parte de Minas Gerais e do Espírito Santo, que compõem sua área de abrangência. É preciso colocar o pé na terra, ver com os próprios olhos, sentir e escutar a população, pesquisar in loco. Só assim poderemos defender com clareza os nossos potenciais, como a geração de energia eólica e solar, e nos precaver de fatores negativos, destacando aqui a chegada do El Niño, que pode provocar a maior estiagem dos últimos 50 anos.
A última forma de atuação – e que talvez seja o ponto mais estratégico da minha gestão – diz respeito ao fortalecimento político da autarquia, no melhor sentido da palavra. A Sudene, criada por Celso Furtado, um dos homens públicos mais notáveis do Brasil, não é apenas uma instituição técnica, mas também um lugar de articular e fomentar a cooperação de forças, com a participação dos estados e dos movimentos sociais. É preciso pensar o Nordeste como um só, sem disputa de espaço. É necessário unir os discursos e os olhares para fortalecer o objetivo maior: o de proporcionar qualidade de vida e desenvolvimento para o povo nordestino.
Foi por acreditar que é possível que aceitei o desafio com a determinação de cumprir a missão confiada a mim pela presidenta Dilma. Estou tranquilo com o tamanho do desafio e ofereço 100% da minha capacidade de trabalho e experiência para avançar o conjunto de projetos e ações importantes que vem mudando a face do Nordeste e do Brasil. É assim que venho trabalhando na vida pública há décadas.
E agora que a sua gestão já é uma realidade, o senhor acredita que essas expectativas vão se concretizar?
Avalio que elas estão começando a se concretizar porque iniciamos uma série de ações nesse sentido. Temos muitas ideias e o trabalho já começou. Estamos, por exemplo, preparando a próxima reunião do Conselho Deliberativo da Sudene (Condel) que é um canal de comunicação extremamente importante entre os gestores, a sociedade civil e o Governo Federal. É nesse encontro que são definidas as diretrizes e prioridades para a Região Nordeste a curto e médio prazos. É um espaço que vem sendo pouco utilizado. Para se ter uma ideia a última reunião aconteceu em 2013. Estamos lutando para fortalecer a Sudene politicamente, estreitar o diálogo e fomentar a articulação regional. Começamos a abrir os canais de conversação, debates e todos os fóruns possíveis de interlocução com os governadores dos estados, prefeitos e movimentos sociais para estabelecer parcerias com outros órgãos públicos, empresas privadas, entidades e representações da sociedade. Vou usar a minha experiência de articular canais de participação, como fiz à frente da Prefeitura do Recife, e deu tão certo.
Para muitos, o impasse inicial da estrutura do prédio é um símbolo da desestruturação e do enfraquecimento da Sudene. Que avaliação o senhor faz do passado da Sudene até o senhor assumir?
Tenho, como nordestino e entusiasta, o maior respeito pela história da Sudene e o importante papel que ela cumpriu e ainda cumpre, apesar de maneira mais tímida, promovendo o planejamento estratégico da região e suprindo a ausência de instrumentos nos estados para implementar ações e grandes projetos para o desenvolvimento do Nordeste. É importante entender que, nos últimos tempos, a Sudene vem passando por um longo processo de mudanças e sofreu um duro golpe quando foi extinta, em 2001, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Essa medida, que recebeu uma grande rejeição da população nordestina, criou um enorme vácuo na instituição. Vários projetos foram interrompidos bruscamente, informações e estudos foram perdidos com a redistribuição dos funcionários. E o mesmo aconteceu com a manutenção e conservação do prédio, por isso essa ligação da desestruturação com a imagem do edifício.
Com a decisão política do ex-presidente Lula, em 2007, de reestruturar a autarquia para cumprir uma nova missão, como fomentadora e geradora de emprego e renda e também para estimular e contribuir com os governos estaduais, prefeituras e sociedade civil organizada, a Sudene vem se adaptando à nova conjuntura. Quanto ao prédio, vale ressaltar que não temos nenhuma intenção de sair dele no momento. Desde 2010, obras vem sendo realizadas para cuidar da estrutura do edifício, compartilhado com outras seis instituições. É um lugar de valor arquitetônico, cultural e histórico. Vamos trabalhar para que ambos – a construção e a Sudene – continuem servindo ao povo do Nordeste.
Em entrevista ao Valor Econômico em 2013, a economista Tânia Bacelar disse que as necessidades da região eram (e continuam sendo), desde antes da criação da Sudene, infraestrutura, mão de obra qualificada e pesquisa e desenvolvimento. O senhor concorda?
Concordo! Partilho da visão de Tânia Bacelar nesse sentido. Mesmo com todo o apoio e a atenção que o Nordeste recebeu nos últimos anos, a partir dos governos Lula e Dilma, a lacuna de desigualdade é enorme e histórica em relação às outras regiões do Brasil. Temos de acelerar o passo para qualificar mais a nossa mão de obra e garantir condições de competitividade justa. É inadmissível não priorizar ações para superação dessa realidade. Mesmo com toda a desigualdade, o Nordeste é um grande gerador de energia limpa. Ocupa, hoje, o lugar de maior produtor de energia eólica do Brasil e tem um papel relevante para a diversificação da matriz energética do País.
Vejo, quase diariamente, exemplos magníficos da força, da capacidade de superação e da enorme criatividade do povo nordestino. Por isso queremos que o Nordeste consiga aumentar sua participação na produção nacional. Queremos encontrar soluções possíveis e dignas para a convivência das populações do semiárido brasileiro, por exemplo. Para isso, precisamos também ter foco nos estudos, nas pesquisas, nos projetos e ações com visão estratégica para esses municípios que convivem com a escassez de água. Como citei anteriormente, não podemos pensar em desenvolvimento sem pensar nas pessoas. Para mim, minha gestão só fará sentido se for para promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo, visando o desenvolvimento humano, como bem pensou Celso Furtado.
Mas, além das necessidades citadas por Tânia Bacelar – de infraestrutura, mão de obra qualificada, pesquisa e desenvolvimento –, acrescentaria a articulação política regional. É extremamente necessário e urgente convergir as forças, unir os olhares, lutar juntos. Com certeza, assim, as conquistas acontecerão de forma mais rápida e igual para todos. É uma estratégia importante inclusive para driblar os tempos de crise econômica mundial.
Como a Sudene poderá avançar para além da função de agência de financiamentos?
Na minha visão, a Sudene pode cumprir muito bem esses dois papéis, o de fomentadora do desenvolvimento através dos fundos de financiamentos (FDNE e FNE) e incentivos fiscais e o de ocupar o seu espaço de articulação política, colocando a sua inteligência, o seu quadro técnico, a serviço do fortalecimento e da capacitação das administrações locais para melhor aproveitar os impactos positivos gerados pelos grandes empreendimentos, por exemplo. E já estamos fazendo isso quando criamos e articulamos fóruns de debates e elaboração de projetos para grandes temas de interesse da região. A Sudene é o espaço ideal para promover a discussão sobre grandes temas.
Dentre as prioridades que o senhor tem para a Sudene, quais têm mais potencial de serem realizadas em curto prazo?
Temos urgência em fortalecer o Conselho Deliberativo da Sudene (Condel) e em fomentar a articulação regional, como venho repetindo incansavelmente. Mas também estamos trabalhando para trazer os movimentos sociais para perto da Sudene. É uma preocupação constante que as oportunidades geradas pelo desenvolvimento chegue para o conjunto da população. O crescimento econômico tem que estar articulado com a cidadania. Na macroeconomia, temos todo o interesse de financiar empreendimentos que gerem emprego e renda, como Hub Latam, fusão da TAM Linha Aéreas com a chilena LAN, que deve empregar 10 mil pessoas no local onde for instalada, seja em Natal (RN), Fortaleza (CE) ou Recife (PE). Já tivemos o primeiro encontro com representantes da empresa, que aconteceu no dia 30 de setembro, no gabinete do senador Douglas Cintra, em Brasília, e nos colocamos inteiramente à disposição.
O senhor tem em mente quais projetos pretende construir em longo prazo, que vão seguir em desenvolvimento após sua gestão?
Estamos trabalhando para fortalecer a Sudene agora, mas os resultados mais consistentes provavelmente irão levar um tempo para aparecer, como a participação efetiva da Região Nordeste no PIB nacional. Representamos cerca de 30% da população brasileira, mas respondemos por apenas 13% da riqueza gerada no País, número que vem se mantendo estável nos últimos anos. A meta, perseguida pela Sudene, é atingir 21% na participação do PIB brasileiro até 2030. O que significa que o crescimento do Nordeste precisa ser 2,2% acima da média do País. Um projeto extremamente ousado, mas viável. Só que para isso é necessário que a política de desenvolvimento regional ganhe uma força maior e vire uma política de Estado consistente. E a Sudene tem um papel extremamente importante nessa luta, já que é uma das únicas instituições que tem a missão de “igualar” o Nordeste às outras regiões brasileiras. Digo “igualar” entre aspas mesmo porque nunca será nossa intenção tirar as fortes características do povo nordestino, nem entrar em confronto com outros estados porque reconhecemos a importância de cada lugar. Não queremos ser iguais a ninguém, queremos condições justas de investimentos e de desenvolvimento. Esse desafio já começou a ser enfrentado antes da minha chegada e espero que continue, com a mesma determinação, depois da minha gestão.
Dentre todos esses projetos e planos, há algum ligado à saúde dos Nordestinos?
A Sudene mantém importantes convênios e pesquisas relacionados à saúde que pretendemos fortalecer, como, por exemplo, o inventário de plantas medicinais nativas da caatinga, que busca encontrar na vegetação da região do semiárido substância para fins terapêuticos. Um projeto que consegue, ao mesmo tempo, argumentos para uso sustentável da biodiversidade, fortalece a luta para a preservação da caatinga, valoriza os saberes populares, incentiva a agricultura familiar e a consequente inclusão social.
Ao mesmo tempo em que apoiamos o pequeno agricultor do sertão, financiamos, através do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE), grandes obras de infraestrutura que impactam diretamente na saúde do povo nordestino. Destaco aqui a liberação recente, já em 2015, de mais de R$ 108 milhões para construção da rede de saneamento da Região Metropolitana do Recife e de Goiana. Um investimento importante, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS): a cada um real investido em saneamento, economiza-se R$ 4,00 em saúde pública. Outros projetos são um pouco mais indiretos, mas que também resultam na qualidade de vida da população e na preservação do meio ambiente, como o investimento na geração de energias limpas, como a eólica e a solar, uma vocação nata da Região.
Mas, confesso, que tenho me dedicado especialmente ao Água para Todos, programa do Governo Federal que integra o Plano Brasil Sem Miséria. Não existe saúde sem acesso à água e a Sudene é responsável pelos ações no Piauí, Paraíba e alguns municípios pernambucanos. Quando chegamos, algumas localidades seriam descredenciadas pela falta de prestação de contas. Conseguimos negociar novos prazos e reunir um grupo de trabalho para reforçar o programa. A estimativa é garantir o acesso à água para 12 mil famílias que vivem na zona rural e em situação de extrema pobreza, seja para consumo próprio, produção de alimentos e a criação de animais.
Como o senhor avalia essa relação de desenvolvimento e saúde da população no Nordeste?
Acredito que só existe desenvolvimento de fato se o crescimento econômico significar também qualidade de vida. O aumento da circulação de riquezas, que pode ser medido pelo Produto Interno Bruto (PIB), não é suficiente para produzir sozinho o bem-estar social. E entenda aqui bem-estar social como saúde. Porque todos sabem que saúde não significa somente ter acesso a médicos, remédios e hospitais – que são de inquestionável importância -, mas saúde é também o não adoecimento. E por isso é preciso articular, em uma só estratégia, as políticas de desenvolvimento e as políticas sociais. O desenvolvimento econômico precisa estar comprometido com a cidadania. A Sudene e eu temos essa missão. Em qualquer lugar que ocupei em minha vida pública, lutei por isso.
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