O quinto tema da Conferência está dedicado ao monitoramento e medição das iniquidades em saúde e é desenvolvido no capítulo correspondente do documento técnico da CMDSS intitulado “Diminuindo as diferenças: a prática das políticas sobre os DSS”. A seguir apresentamos um resumo desse capítulo.
Para que a ação sobre os DSS seja efetiva, é preciso fazer o monitoramento das iniquidades em saúde e gerar medições que informem os formuladores de políticas, avaliem a implementação de políticas e cobrem responsabilidade. Sem maiores esforços de comparação das condições de saúde de diferentes grupos populacionais, as desigualdades de saúde permanecem invisíveis, visto que é comum que os avanços obtidos nas médias dos indicadores de saúde mascarem diferenças persistentes entre grupos. O monitoramento das desigualdades de saúde e dos determinantes sociais precisa estar totalmente integrado ao processo de formulação de políticas.
Identificando fontes e coletando dados
Para que políticas possam ser formuladas, é preciso que haja informação sistemática sobre os DSS e a situação de saúde. Os sistemas já existentes de coleta de dados de outros setores (como, por exemplo, os da educação e habitação) podem ser fontes importantes de informação sobre os principais determinantes sociais. É preciso identificar as informações necessárias à redução das desigualdades em saúde. Os sistemas de monitoramento precisam de sensibilidade, para registrar desigualdades em todo o gradiente social, ao invés de focar na média da população ou em grupos vulneráveis conhecidos de antemão. É possível obter dados a respeito das desigualdades nas condições de saúde, assim como do desempenho dos sistemas de saúde, a partir de uma série de fontes já utilizadas pelos sistemas de informação em saúde. Contudo, esses sistemas não foram feitos para gerar, resumir e disseminar cotidianamente dados e informações relativas aos determinantes sociais, às desigualdades de saúde e à associação entre os dois.
Desagregando dados
Para se monitorar as desigualdades de saúde e os determinantes sociais, é necessário que os dados possam ser separados, analisados e comparados, ou “desagregados”, de acordo com os principais fatores associados às desigualdades de saúde. Entre esses “estratificadores” sociais estão idade, renda, educação, ocupação, gênero, etnia e local de residência (até a menor unidade administrativa possível). Avanços obtidos nos sistemas de informação geográfica podem ajudar na coleta de dados geográficos desagregados e na sua disseminação.
A seleção dos estratificadores dependerá do contexto, visto que não é possível, nem desejável, desagregar os dados por todos os fatores possíveis, visto que os recursos destinados à coleta de dados são limitados. Por exemplo, em situações em que a taxa de ocupação e os níveis de educação são, de forma universal, altos, desemprego e educação podem ser índices ruins de posição socioeconômica. Em situações em que a renda é baixa, ou em comunidades cujas atividades econômicas não são mediadas pelo dinheiro, a renda pode não ser um indicador preciso de posição socioeconômica, e pode ser necessário encontrar medidas alternativas.
Selecionando indicadores e alvos
Os sistemas de monitoramento deveriam incluir indicadores que meçam a evolução dos determinantes sociais, assim como métodos através dos quais se possam relacionar dados de setores diferentes e entender o impacto de suas ações nas desigualdades de saúde.
Os indicadores selecionados para o monitoramento de políticas dedicadas a reduzir as desigualdades de saúde precisam ser claramente compreendidos não só pelos formuladores de políticas dos diferentes setores que influenciam a dinâmica dos determinantes sociais, mas também pelas comunidades. Assim, medidas simples seriam mais transparentes e fáceis de interpretar do que medidas complexas e intricadas. O documento apresenta uma lista possível de indicadores para o monitoramento dos determinantes sociais e da igualdade em saúde, preparada pela OMS.
Seguindo adiante, apesar da falta de dados sistematizados
Em todo o mundo, o monitoramento das desigualdades de saúde varia muito. Em alguns países, poucos dados de saúde são coletados de forma rotineira, mas, em outros, as desigualdades de saúde são mensuradas com regularidade, mas é comum que faltem dados sobre os determinantes sociais. Nessa situação, a ausência de dados não deveria impedir a implementação de ações de combate às desigualdades de saúde. Afinal, é comum que formuladores de políticas tenham que tomar decisões sem informações ou evidências organizadas de forma sistemática. Há várias alternativas caso não existam dados de base populacional coletados regularmente. Pesquisas de base populacional realizadas a intervalos regulares podem contribuir com alguma informação. Também é possível melhorar o uso de metodologias qualitativas, tais como observações, avaliações e experimentos de política. Líderes comunitários, grupos da sociedade civil, profissionais da saúde, implementadores de programas e líderes políticos também são fontes de informação sobre os fatores que influenciam os determinantes sociais e a equidade em saúde e sobre possíveis soluções. Contudo, para que seja possível implementar ações efetivas de combate às desigualdades de saúde, é necessário investir na expansão dos sistemas de monitoramento, especialmente para se obter mais informações sobre os determinantes sociais. Mesmo quando existem sistemas de informação bem desenvolvidos, grande parte da informação está relacionada a condições de saúde e não há um foco nos determinantes sociais, assim como nas desigualdades. Existem duas estratégias para se lidar com essa questão: coletar dados novos relativos a alguns fatores e melhorar ferramentas de compartilhamento de dados que já foram coletados entre os setores.
Disseminando informações sobre desigualdades de saúde e determinantes sociais para influenciar a implementação de ações
A existência de evidências quanto às desigualdades de saúde, ou sobre a eficácia de uma política ou programa específico não leva automaticamente à implementação de políticas sobre determinantes sociais. Para traduzir as evidências em informações úteis ao desenvolvimento de ações sobre os determinantes sociais e à promoção da equidade em saúde, serão necessários mecanismos através dos quais seja possível compartilhar, avaliar e comunicar essas evidências aos formuladores de políticas e a outras partes interessadas.
Sintetizar as evidências – fazendo uso de revisões, sumários de políticas (policy briefs) e diretrizes de ação (guidelines for action) – pode fazer com que as evidências sejam mais facilmente digeridas.
Integrando dados ao processo de formulação de políticas
A tradução de dados e informações em políticas é complexo. É preciso alinhar o sistema de coleta de dados ligado às desigualdades de saúde e aos determinantes sociais com o processo de formulação de políticas. Os dados precisam ser comunicados aos formuladores de políticas de maneira rápida e que faça sentido. As informações sobre as desigualdades de saúde e os determinantes sociais precisam estar presentes no processo de identificação de problemas e na criação de políticas alternativas para seu enfrentamento. Além disso, uma série de ferramentas pode ser útil para considerar-se o impacto de diferentes políticas sobre as desigualdades de saúde. Gráficos de desempenho podem ajudar a simplificar e sintetizar questões ligadas à equidade em saúde para que possam ser incorporadas ao processo de formulação de políticas.
Avaliando o impacto de políticas alternativas na saúde e na equidade
É possível usar uma variedade de ferramentas para avaliar o impacto das políticas equitativas de diversos setores. Análises de impacto sobre a saúde e sobre a equidade em saúde são duas ótimas abordagens para se lidar com isso. A análise de impacto sobre a saúde foi criada com base em metodologias desenvolvidas para a realização de análises de impacto ambiental, que atualmente também estão sendo usadas em análises de impacto sobre a pobreza e sobre a sociedade. O objetivo desse tipo de ferramenta é orientar o processo de formulação de políticas para que considere os seus impactos sobre a equidade em saúde. Por exemplo, o Urban Health Equity Assessment and Response Tool (Ferramenta de Análise e Resposta à Equidade em Saúde nas Cidades), chamada de Urban HEART é uma ferramenta desenvolvida pela OMS que incorpora sistematicamente a questão da equidade em saúde no ciclo de planejamento, especialmente em ambientes urbanos.
Referência Bibliográfica
Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.
Entrevista com:
É perceptível a evolução na qualidade do discurso! Finalmente uma defesa da desagregação dos dados pela variável raça/cor também.
Precisamos avançar e desenvolver indicadores de discriminação étnica em saúde.
A disseminação das informações deve ser à luz de um referencial de mudança nas relações de poder. Caso contrário, mesmo apresentando dados sobre iniquidades e disparidades, a discussão deixa passar que isso se deve a uma “fatalidade” na vida das vítimas e não a uma consequência das estruturas ideológicas de opressão.
Enfim, é preciso evoluir também para dentro, ou seja, revisar preconceitos de modo a olhar o mundo com novos olhos, nova mentalidade, de igual para igual, mesmo sendo diferente!
Este tema é da maior relevância. Há bastante material produzido, mas que não chega aos tomadores de decisão. Por outro lado, o filtro de material pela qualidade da evidência aportada e seu resumo de forma palatável ao conjunto dos atores enseja seu uso concreto e responsável.