Health Literacy: quando as iniquidades de informação reforçam as iniquidades em saúde

Segundo a Carta de Otawa para Promoção de Saúde (1986), as pessoas não podem alcançar seu potencial máximo em saúde, a menos que sejam capazes de assumir o controle sobre os fatores que determinam a sua saúde. No entanto, como ter esse controle se não entendem orientações médicas? Se não sabem interpretar as informações fornecidas pela imprensa? Se não compreendem as embalagens dos alimentos? Se não têm health literacy?

A definição de literacy está para além do simples entendimento de textos ou do nível de escolaridade por si só, inclui também a capacidade do indivíduo em ter acesso, processar e usar informações em sua vida. É uma capacidade escalonada que se aprende ao longo da vida, isto é, com vários níveis de desenvolvimento. O termo Health Literacy (alfabetismo em saúde), descrito pelo European Health Literacy Consortium (2012), também é um conceito ligado à capacidade de leitura e interpretação de textos, mas que envolve o entendimento, a motivação e a competência de obterEs, além de compreendê-las, avaliá-las e aplicá-las. Assim, é possível fazer julgamentos e tomar decisões no dia a dia no que diz respeito a cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde visando à manutenção e melhoria da qualidade de vida.

Apesar de nem sempre poder ser claramente separado o nível de escolaridade de possuir health literacy (um debate ainda em curso), estudos mostram que há um gradiente entre nível de educação e nível de health literacy, capacidade que é significativamente maior entre as pessoas com maior escolaridade. Aqueles que têm maior nível de health literacy podem encontrar e usar informações sobre como gerenciar problemas de saúde, como o estresse ou a depressão, ou participar de atividades que melhoram a saúde e o bem-estar de sua comunidade. Essa capacidade interfere em desfechos positivos em saúde, de forma que essas informações ou atitudes seriam captadas, apreendidas e usadas de maneira mais consciente e efetiva.

Aumentar o grau de educação da população sobre saúde e seus determinantes, bem como da ação coletiva voltada para a mudança de seus determinantes estruturais representam, conforme descrito por Giovanni Berlinguer, o aumento do grau de consciência sanitária de uma sociedade sobre as questões gerais de saúde. Dessa maneira, os indivíduos teriam poder de influência nas decisões relacionadas à própria saúde, bem como naquelas da coletividade em que se encontram inseridos.

Essa capacidade de obter, apreender e usar conscientemente informações relacionadas à saúde é um forte preditor do estado de saúde do indivíduo, assim como a renda, raça e nível de escolaridade. No Brasil, é descrita como uma das prioridades pelo Ministério da Saúde nos Caminhos do Direito à Saúde no Brasil, que deve ser fortalecida por meisclaridadeo do controle social com uma gestão democrática e participativa no sistema público de saúde.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, o nível de health literacy segue um gradiente social, e as iniquidades de informação reforçam as iniquidades em saúde. As pessoas com baixo nível de health literacy, na maioria das vezes, são aquelas com menor escolaridade e mais idade. Além disso, são geralmente migrantes e dependentes de transferências condicionais de renda. O acesso não equitativo ao conhecimento, não só no que diz respeito à informação em si, mas também na maneira como é apreendida e aplicada individual e coletivamente pelos membros de uma sociedade, interfere na mudança de estruturas, comportamentos e políticas, conforme citado em notícia anterior no nosso Observatório.


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A Organização Mundial de Saúde descreve health literacy como uma forma importante de capital social. Ao mesmo tempo em que a comunidade pode se beneficiar se seus membros tiverem um bom nível de health literacy, os membros da comunidade também se beneficiam do apoio da comunidade e seus recursos, como em grupos de autoajuda. Isso representa um caminho de mão-dupla que gera benefícios mútuos. A capacidade de possuir e aplicar na forma de conhecimentos, valores, normas e competências para buscar estilos de vida saudáveis, características de quem possui health literacy, faz parte do capital cultural das pessoas e está positivamente associada com a saúde em nível populacional, resultando em desfechos positivos e oportunidades em saúde, como um ativo em saúde*. Esse conhecimento é também importante para a conquista do direito à saúde, para as pessoas se transformem em atores sociais que lutam por esse direito.

Health literacy também pode ser compreendida como uma forma de aumentar o empowerment, que é um processo através do qual as pessoas ganham mais controle sobre suas vidas, sua saúde e seus determinantes. Tanto a health literacy como o empowerment estão enraizados no movimento de promoção da saúde, com o objetivo de capacitar as pessoas como cidadãos, membros da força de trabalho, consumidores e pacientes, para que eles possam tomar decisões mais acertadas sobre a sua saúde e melhorar as suas competências na gestão de si mesmos. A capacitação através de programas de educação em saúde contribui para democratizar o sistema de saúde e para alcançar um compromisso mais forte com a saúde e o bem-estar nas comunidades e na sociedade em geral.

O conhecimento sobre os fatores que promovem a saúde e sobre os fatores de risco para a saúde, bem como a capacidade de utilizar e aplicar de forma efetiva esse mesmo conhecimento é determinante para adoção de comportamentos e estilos de vida mais saudáveis, além de reduzir desigualdades sociais em saúde.

*Ativos em saúde são tanto os pontos fortes e qualidades (motivações e capacidades relacionais) como qualidades ambientais e comunitárias (apoio, normas, características físicas) que podem contribuir para a saúde.

Referências Bibliográficas

 

Berlinguer G, Teixira SF, Campos GWS.  Reforma Sanitária Itália e Brasil. São Paulo: Hucitec-Cebes; 1988.

Carta de Ottawa. In: 1ª Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde. 1986 Nov; Ottawa, Canadá.

Kickbusch I, Pelikan JM, Apfel F, Tsouros AD, editores. Health literacy: the solid facts. Copenhagen: World Health Organization; 2013. [acesso em 14 ago 2013]. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0008/190655/e96854.pdf 

Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Caminhos do direito à saúde no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. (Série B. Textos Básicos de Saúde). [acesso em 14 ago 2013]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/Caminhos_do_Direitos_em_Saude_no_Brasil.pdf

 

 

 

 

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