Participantes da 1a CRDSS repercutem proposições sobre acesso e qualidade dos serviços de saúde

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Movimentos dos segmentos mais críticos da sociedade poderiam impulsionar os governos e a academia a se comprometerem com as mudanças necessárias ao desenvolvimento de um país mais justo (Foto: Freeimages)

Em setembro de 2013, acadêmicos especialistas, representantes do governo e da sociedade civil se reuniram na 1a Conferência Regional sobre Determinantes Sociais em Saúde do Nordeste (1a CRDSS), no Recife. No encontro, os debates e trocas de experiência sobre os mais variados aspectos da determinação social na saúde resultaram em proposições construídas a partir das diferentes perspectivas, com o objetivo de conduzir a atuação dos diferentes agentes nas ações em prol de uma saúde mais equânime no Brasil.

Componente importante do cenário da desigualdade, o acesso e a qualidade dos serviços de saúde prestados, sobretudo a situação no Nordeste, foram tema de discussão no encontro. Passado quase um ano da Conferência, voltamos a conversar com os participantes da sessão temática para repercutir as proposições resultantes do evento. A mesa temática contou com a coordenação de Jurandi Frutuoso, secretário executivo do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e com a participação de Lígia Bahia, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e de Jairnilson Paim, pesquisador da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Na ocasião, o próprio sistema de saúde pública do Brasil foi colocado como um determinante da desigualdade. Durante o debate também foram discutidas questões como a mercantilização do sistema de saúde e a deficiência de informações para embasamento das intervenções necessárias.

Para a médica, professora e especialista em Saúde Pública Lígia Bahia, o grande desafio em superar a disparidade entre as realidades nas diferentes regiões do Brasil está relacionada com a oferta e a distribuição de recursos nacionais e com a incorporação de valores que naturalizam a discriminação e os privilégios. “A situação de saúde nas regiões Nordeste e Norte, especialmente em alguns estados, deveria ser prioridade absoluta das três esferas de governo para nivelar as condições de proteção aos riscos e de acesso às ações e serviços de saúde”, defendeu. Para Jairnilson Paim, além do subfinanciamento público, a sub-regulação do setor privado também tem relação com este panorama. “A ausência de planejamento para a expansão da infraestrutura e para a alocação da força de trabalho, mediante um plano de carreira digno para os trabalhadores de saúde, também contribui para a reprodução das desigualdades no Nordeste e na região Norte”, explicou.

Para Jurandi Frutuoso, o grande desafio é garantir a celeridade na implantação de redes de atenção à saúde, além da implantação de uma Política Nacional de Atenção Hospitalar e a definição de uma política para hospitais de pequeno porte. “É muito importante que o papel dos hospitais esteja bem claro nas Redes de Atenção à Saúde para que o acesso a esses serviços seja regulado da maneira correta, evitando, por exemplo, a superlotação e a falta de leitos nos hospitais. No Nordeste a situação é mais vulnerável ainda, tendo em vista os problemas ambientais que a própria região apresenta com a seca e o a dificuldade do acesso”, frisou.

A partir do debate instigado na sessão foram traçadas algumas diretrizes, proposições que, definidas coletivamente, pudessem servir como norte para a atuação dos movimentos e organizações sociais, do governo e da comunidade acadêmica. Entre os pontos definidos foram apontadas questões como a desprivatização do sistema de saúde, o estímulo à produção de informação e avaliação sobre a qualidade do acesso aos serviços de saúde, a consideração da determinação social e não redução dos determinantes como fatores de risco, a equidade inter e intrarregional na distribuição dos recursos, a inovação das gestões e a valorização do trabalho em saúde, com mecanismos de capacitação dos profissionais, a e implantação de plano de carreiras, cargos e salários para profissionais de nível técnico e superior.

Para Paim, a desprivatização do sistema de saúde do Brasil é um passo importante e merece atenção especial. “Mesmo reconhecendo que um sistema público de caráter universal possa assegurar acesso e qualidade nos serviços de saúde, esta opção política requer financiamento compatível para garantir a expansão da infraestrutura de serviços na perspectiva da equidade regional e espacial, bem como uma força de trabalho com capacitação permanente, valorizada mediante plano de carreira, cargos e salários, com tempo integral, dedicação exclusiva e comprometida com o SUS. A desprivatização, ainda que desejável, não resulta necessariamente em mais recursos para o sistema público de  saúde. Já seria um grande avanço se o Governo Federal se comprometesse em destinar 30% do orçamento da Seguridade Social para a saúde, tal como se encontra estabelecido nas Disposições Transitórias da Constituição desde 1988 e retirar, progressivamente, os subsídios e a renúncia fiscal relacionados ao setor privado. Inovação na gestão e governança do sistema são relevantes, mas exigem profissionalização e qualificação dos dirigentes, além de extinção dos cargos de confiança preenchidos por critérios político-partidários no âmbito do SUS”, explicou.

Lígia Bahia defende que as propostas de desfragmentação das ações de diferentes políticas sociais são as mais estruturantes. “A Constituição de 1988 aprovou um sistema de proteção social integrado pela saúde, previdência e assistência social que pudesse potencializar e se conectar com políticas de emprego, moradia, planejamento urbano, cultura e lazer. No entanto, o que temos no momento são ações desconexas. O maior exemplo é o gasto de idosos com saúde. Apesar do Farmácia Popular e da expansão de acesso a consultas médicas, os idosos gastam boa parte do que recebem de benefícios previdenciários, que deveriam garantir uma velhice tranquila,  com pagamento de serviços de saúde. Saúde e previdência deixam de ser políticas sinérgicas e se tornam antagônicas”, avaliou.

Representante dos secretários de Saúde, Jurandi Frutuoso faz questão de destacar que todas as proposições são indiscutivelmente importantes, mas cita que o fortalecimento dos espaços e das oportunidades de participação é uma maneira de instigar a sociedade a lutar pela garantia de seus direitos. Para ele, a intersetorialidade também tem papel fundamental numa perspectiva de mudança. “Para mim destaca-se a recomendação de que as três esferas de governo fortaleçam seus esforços para o estabelecimento de políticas e programas promotores da equidade baseadas em uma estreita cooperação entre os diversos setores da administração pública, em sólidas evidencias científicas e em ampla participação social para sua definição, implantação e avaliação. O CONASS entende que é preciso fortalecer as instâncias de pactuação tripartite, garantindo a elaboração de pautas que permitam aos gestores a discussão aprofundada dos assuntos de pactuação e publicação em tempo hábil, respeitando o pactuado”, explicou. “Juntos somos capazes de nos articular em prol de um bem comum, que é o fortalecimento do SUS, e os conselhos de participação popular estão aí para isso: pra fazer o elo entre a sociedade civil, as esferas de gestão e o Governo Federal.”

Para Lígia Bahia, reconhecer as desigualdades e estimular processos que mudem essa realidade é o principal esforço que deve ser feito em conjunto entre sociedade civil, academia e governo. “É preciso estimular práticas voltadas à redução das assimetrias sociais, especialmente na saúde, mas não apenas na saúde. Adicionalmente, é necessário investir recursos materiais e simbólicos na região para reverter a espoliação e as relações de dependência e dominação, buscando conferir protagonismo aos agentes sociais locais”, opinou.

Já para Paim, a questão vai além do simples comprometimento entre estes diferentes gentes. “Não se pode ignorar que na base desse “panorama” estão o conflito distributivo, as contradições entre o capital e o trabalho, a disputa pelos fundos públicos e o uso patrimonialista do Estado brasileiro pelas classes dirigentes para fins privados. Portanto, vão além de eventuais compromissos da academia, governo e sociedade civil, genericamente. São questões fundamentalmente políticas a exigir uma crítica fundamentada a tal situação e a reinvenção de um projeto para a Nação, a exemplo do que foi tentado em torno da redemocratização e do pacto pela Constituição Cidadã. Nesse particular, são os movimentos dos segmentos mais críticos, conscientes e politizados da sociedade civil, que poderiam impulsionar os governos e a academia a se comprometerem com as mudanças necessárias ao desenvolvimento de um país mais justo, radicalmente democrático, civilizado e ecologicamente sustentável”, concluiu.

Confira, a seguir, as recomendações completas da I CRDSS para a área de acesso e qualidade dos serviços. O documento completo pode ser conferido aqui.

Acesso e qualidade do serviço de saúde

  • Que há necessidade de desprivatização do sistema de saúde no Brasil;
  • Que se estimule a produção de informação e avaliação referentes à qualidade do acesso aos serviços de saúde;
  • Que seja considerada a determinação social dos fatos e não reduzir os determinantes sociais da saúde à fatores de risco;
  • Que haja equidade inter e intrarregional na distribuição do financiamento para saúde;
  • Que ocorra inovação na gestão e governança do sistema;
  • Que o trabalho em saúde seja valorizado como essencial no processo de garantia do direito à saúde;
  • Que utilizem mecanismos de capacitação permanente para os profissionais de saúde de forma presencial e à distância;
  • Que seja implantado plano de carreira, cargos e salários dos profissionais de saúde de nível técnico e superior.

 

 

Referências Bibliográficas

Barbosa JMV. Recomendações para enfrentamento dos determinantes sociais da saúde direcionadas pela 1ª Conferência Regional sobre DSS – Nordeste. Recife; 2014. [acesso em 07 jul 2014]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2014/06/Proposicoes_conferencia_final.pdf

1ª Conferencia Regional sobre Determinantes Sociais da Saúde do Nordeste. Relatório Sessão 03: Acesso e qualidade dos serviços de saúde. Recife; 2013. [acesso em 07 jul 2014]. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2013/09/Rodrigo-e-Gabriella.pdf

 

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