Quanto se fala sobre a satisfação da mulher em relação ao momento mais específico da gestação, do atendimento ao parto, existem componentes da relação profissional/parturiente que devem ser levados em conta nessa avaliação, tais como o tempo de espera, respeito, privacidade, clareza nas explicações, possibilidade de fazer perguntas, além da participação nas decisões. No entanto, outros fatores, como nível de escolaridade, raça, região geográfica e fonte de pagamento do parto, também podem interferir na forma como as mulheres vivenciam essa experiência.
Para as mais de 15.500 mulheres entrevistadas no pós-parto, participantes da pesquisa ‘Nascer no Brasil’, estudo de corte de base hospitalar no Brasil, todas as variáveis relativas à relação profissional/parturiente mantiveram-se associadas à satisfação geral com o atendimento ao parto. Contudo, as desigualdades sociais em relação ao parto se revelam ao ser constatado que as mulheres atendidas na Região Sudeste e na Sul, no setor privado, com maior escolaridade e com acompanhante, avaliaram melhor a relação com os profissionais de saúde, e que o oposto ocorreu na assistência recebida por parte de pretas e pardas, de classe social D/E, com baixa escolaridade, das regiões Norte e Nordeste, com parto vaginal e trabalho de parto, em sua maioria atendidas no setor público.
A discussão sobre a avaliação do atendimento ao parto é bastante delicada, principalmente porque a percepção dos grupos é bem diferenciada e influenciada pelo tipo de parto. Na assistência pública, o parto vaginal é intervencionista e traumático, enquanto na assistência privada, a cesárea eletiva é considerada como o procedimento ‘normal’ ou ‘de rotina’. Então, o que seria considerado um “atendimento ideal”? Para as autoras de um dos artigos oriundos do ‘Nascer no Brasil’, as mulheres valorizam a forma como são recebidas na maternidade e a atenção dispensada pelos profissionais de saúde durante o trabalho de parto. Ter apoio emocional, fornecer adequadamente informações e participar do processo decisório sobre o tipo de parto, e a capacidade de comunicação entre a mulher e a equipe, são fortes preditores da satisfação com o atendimento ao parto.
Apesar da opinião dessas mulheres ser importante para garantir a qualidade do serviço e manter algum tipo de controle social sobre o sistema de saúde oferecido, as pesquisadoras explicam que existe, em alguns serviços de saúde no Brasil, uma cultura discriminatória que considera que no setor público, no qual são atendidas as mulheres com baixa renda e escolaridade, elas não teriam capacidade de entendimento e autonomia para decidir sobre as opções de intervenções no parto. Ao contrário das mulheres do setor privado, que possuem melhores condições de exercer sua autonomia e participar das decisões.
A discriminação não é só em relação àquelas com menor escolaridade, mas também ocorre em função da raça. Um dos achados mais relevantes desse artigo do ‘Nascer no Brasil’ demonstra que existem desigualdades de cor associadas à satisfação com o atendimento ao parto. A cor de pele preta foi associada à pior avaliação do tempo de espera até ser atendida e menos privacidade nos exames; e o trabalho de parto, por sua vez, associou-se a menores níveis de respeito e privacidade e ao maior relato de violência*. Essa condição de desigualdade se destaca, principalmente, porque para as usuárias do serviço de saúde privado (com melhor condição socioeconômica), a maior satisfação foi associada ao menor relato de violência, mais respeito, mais privacidade, maior clareza nas explicações, mais possibilidade de fazer perguntas e maior participação nas decisões.
No artigo, as pesquisadoras também reiteram a importância do acompanhante na redução das desigualdades do atendimento ao parto. A presença do acompanhante, mesmo em frequência muito aquém do esperado, faz com que as mulheres tenham melhor percepção sobre o atendimento recebido.
A presença de iniquidades sociais no nosso sistema de saúde engloba também a discriminação nos serviços do atendimento ao parto. Sob a perspectiva da equidade, o serviço prestado às parturientes está muito aquém do desejado. O ideal seria que todas as mulheres fossem atendidas com respeito e igualdade, independentemente da fonte de pagamento, raça ou nível de escolaridade. Para as pesquisadoras do ‘Nascer no Brasil’, faz-se urgente uma revisão ética e da atitude dos profissionais durante o acompanhamento do trabalho de parto e o parto, que deveriam sempre buscar o atendimento das necessidades das parturientes de maneira equânime e digna.
* A ocorrência de violência foi avaliada pela pergunta: “Na sua internação para o parto, a Sra. considera que foi vítima de algum maltrato ou outra forma de violência por parte dos profissionais: algum profissional gritou ou xingou a Sra. (violência verbal), algum profissional a ameaçou, humilhou ou se negou a atendê-la ou oferecer algum tipo de alívio para dor (violência psicológica), algum profissional a empurrou, machucou ou fez exame de toque de forma dolorosa (violência física)? ”, sendo admitida mais de uma opção de resposta positiva e sendo elas posteriormente agrupadas em “algum tipo de violência” (sim/não).
Referência Bibliográfica
d’Orsi E, Brüggemann OM, Diniz CSG, Aguiar JM, Gusman CR, Torres JA et al. Desigualdades sociais e satisfação das mulheres com o atendimento ao parto no Brasil: estudo nacional de base hospitalar. Cad Saúde Pública. 2014 Ago [acesso em 2015 jun 01];30( Suppl 1): S154-S168. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2014000700021&lng=en
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