CMDSS: o que aconteceu de novo e quais os próximos passos

Tenda da Conferência, no Forte de Copacabana/ Foto: Paulo Cartolano

A presença de cerca de 125 países representados por delegações oficiais, além de organizações da sociedade civil e de especialistas de todo mundo na CMDSS, expressa a importância que vem assumindo o tema dos determinantes sociais da saúde (DSS) na agenda global. Essa presença maciça é em si mesma algo seguramente novo, quase impensável há poucos anos. Evidentemente um evento dessa magnitude só poderá ser avaliado com maior precisão dentro de alguns anos, através de seu impacto nas políticas globais, regionais e nacionais relacionadas com os DSS, tal como ocorreu, por exemplo, com a reunião de Alma-Ata.

Além da importância política, representada por sua magnitude, já mencionada, uma avaliação mais imediata deve analisar os produtos da Conferência em função de seus objetivos explícitos, quais sejam, propor estratégias de atuação sobre os DSS para combate às iniquidades em saúde. Dois principais produtos se destacam para este propósito: a Declaração Política do Rio e o Documento de Trabalho “Diminuindo as diferenças: a prática das políticas sobre os determinantes sociais da saúde”.

A Declaração Política do Rio não é uma declaração da Conferência e sim uma Declaração dos governos ali representados. Sua debilidade e, principalmente, sua fortaleza, derivam do fato de que todas as decisões sobre cada palavra incluída na Declaração foram tomadas por consenso, com todos os países tendo poder de veto, ou seja, a Declaração expressa uma posição unânime dos governos presentes. Entre seus principais pontos merecem ser destacados a determinação em promover a equidade social e em saúde através de ações sobre os DS, a reafirmação de que iniquidades dentro dos países e entre eles são inaceitáveis dos pontos de vista político, social e econômico, o alerta de que a atual crise econômica e financeira global demanda medidas que previnam piora nas condições de vida e deterioração de sistemas universais de saúde e de seguridade social e finalmente a recomendação de que um enfoque baseado nos DSS seja adotado para orientar a reforma da OMS ora em discussão.

Várias lacunas foram identificadas nesta Declaração, inclusive por especialistas que se manifestaram neste Portal. Entre elas se destacam a ausência de menção ao fortalecimento das instituições democráticas. De fato, sem liberdade de expressão ou de organização e sem a independência dos poderes, entre outras instituições democráticas, a participação é impossível ou uma farsa. Do mesmo modo se destaca a ausência de menção aos DSS Globais. As regras de comércio internacional e a desregulação de fluxos financeiros internacionais, entre outros determinantes sociais globais, têm forte impacto na situação de saúde dos países e estão a exigir um novo arcabouço institucional e novas regras de governança global. Foi também mencionada a ausência de ações e metas específicas e mecanismos de prestação de contas. No entanto, além das dificuldades políticas inerentes à definição de metas e atividades em um evento deste tipo, a própria diversidade dos DSS e sua dependência dos contextos onde se manifestam exigem ações que possam dar conta dessa diversidade e que não podem ser incluídas em uma declaração de caráter global. Uma Declaração proposta por organizações da sociedade civil presentes na CMDSS e endossadas por personalidades como o Dr. Halfdan Mahler, de alguma maneira busca preencher essas lacunas, com destaque para propostas de ação sobre os DSS globais.

Com relação ao Documento de Trabalho, evidentemente não há espaço disponível nesta matéria para uma análise mais acurada e exaustiva do mesmo. O Documento deve ser entendido como uma plataforma a ser aperfeiçoado com novos conhecimentos, informações e experiências. Entretanto, com o conhecimento já disponível, o documento poderia ter avançado em algumas estratégias mais concretas de ação em lugar de concentrar-se em princípios de caráter genérico. O Documento, embora com mais espaço do que a Declaração para tratar de temas polêmicos, tampouco trata com a devida ênfase as lacunas apontadas anteriormente. No caso da participação, por exemplo, além de não mencionar a importância do fortalecimento das instituições democráticas, o documento propõe uma série de medidas para fortalecer a participação social, algumas das quais de caráter bastante duvidoso, como “oferecer recursos para participação na forma de incentivos e subsídios” que em alguns contextos é uma clara receita para o cooptação ou desvio de recursos públicos. Chama a atenção que em nenhum momento o documento menciona a pesquisa sobre a determinação social da saúde como atividade chave para gerar o conhecimento e as evidências científicas necessárias para fundamentar políticas e ações.

Conforme já mencionado, o sucesso da Conferência na consecução de seus objetivos dependerá do aproveitamento do momentum político por ela gerado. As iniciativas devem contemplar diversos níveis de atuação. Ao nível Global é fundamental que a próxima Assembleia Mundial da Saúde de maio de 2012 aprove uma Resolução que comprometa os países membros e a OMS com uma série de atividades que possam ser acompanhadas e avaliadas. A reforma da estrutura e funções da OMS, ora em discussão, deve adotar o enfoque dos DSS para uma reorientação da cooperação técnica de modo à efetivamente apoiar os países no enfrentamento das iniquidades em saúde. Uma revisão do próprio sistema de cooperação técnica das nações Unidades se impõe para superar a fragmentação hoje existente. Ao nível regional, a UNASUL e o MERCOSUL criaram suas respectivas Comissões sobre DSS e Promoção da Saúde com um plano quinquenal bastante abrangente, onde se destaca a implantação de um observatório regional sobre iniquidades em saúde que permita monitorar as tendências das iniquidades dentro e entre os países da região e apoiar a definição, implantação e avaliação de políticas regionais e nacionais sobre os DSS. No nível nacional é necessário retomar e atualizar as recomendações contidas no relatório da Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde, além de outras medidas que estimulem a adoção do enfoque dos DSS para políticas setoriais e intersetoriais.

O Centro de Estudos, Políticas e Informação sobre os DSS (CEPI-DSS) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da FIOCRUZ deverá contribuir para esse processo, através do lançamento do “Observatório sobre Iniquidades em Saúde” para monitoramento das iniquidades em saúde no Brasil, assim como seguimento e avaliação de políticas/ações sobre os DSS. O CEPI-DSS deverá também desenvolver outras atividades como capacitação para gestores e profissionais da área social, promoção de estudos e pesquisas sobre os DSS; organização de redes colaborativas de pesquisadores e gestores e atividades de comunicação sobre DSS a setores de governo, profissionais e público em geral.

O Portal será redesenhado para esta nova fase pós-Conferência e será mantida e permanentemente atualizada a Biblioteca Virtual em Saúde sobre DSS, que atualmente conta com mais de 160.000 referências da literatura nacional e mundial sobre DSS, assim como registros dos recursos sobre DSS existentes na WEB.

Referências Bibliográficas

Organização Mundial da Saúde. Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde: documento de discussão. Rio de Janeiro: OMS; 2011.

Protecting the Right to Health through action on the Social Determinants of  Health – A Declaration by Public Interest Civil Society Organisations and Social Movements. Rio de Janeiro; 2011.

World Health Organization. Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde. Rio de Janeiro: WHO; 2011.

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