O pioneirismo e a liderança da Inglaterra nos estudos e ações sobre DSS

Documentos teóricos, metas e estratégias para melhoria da saúde dos povos vêm sendo criados em vários países do mundo desde meados do século passado. A Austrália, por exemplo, ‘colocou no papel’ em 1994 suas melhores intenções em relação à saúde dos australianos para o século seguinte. Em 2000, movida por objetivos semelhantes, a Nova Zelândia elaborou uma estratégia para melhoria da saúde de seu povo, chamada de New Zeland Health Stategy. O governo dos Estados Unidos da América não ficou para trás nessa jornada e, no ano de 2000, também lançou um documento conhecido como ‘Healthy People 2010’. Nesse documento constava um conjunto de objetivos em saúde a fim de melhorar a qualidade de vida e aumentar os anos de vida saudável do povo americano, além de eliminar as disparidades em saúde até 2010 (atualmente na versão para 2020).

Todo o esforço empregado por esses e outros países no combate às desigualdades sociais em saúde é louvável e necessário. No entanto, é notável o pioneirismo e a liderança da Inglaterra nessa área, tanto no estudo como nas ações sobre as relações entre pobreza, condições de vida e condições de saúde, bem como na coleta de dados que mostrem diferenças de saúde segundo ocupações. Esse pioneirismo começou com o Black Report (1980), um relatório que demonstrou que as desigualdades de saúde eram uma realidade no país e que deveriam ser combatidas. Mais de uma década depois, o Acheson Report (1997) apresentou informações atualizadas sobre essas desigualdades em saúde e identificou as áreas prioritárias para o desenvolvimento de futuras políticas. Teve como base evidências científicas e já considerava a pobreza, a educação, o desemprego, a habitação, o transporte, a alimentação, o ciclo de vida, etnia, e gênero como determinantes da saúde. Além disso, já apresentava um modelo composto por diferentes camadas, que incluía estilos de vida individuais e o ambiente socioeconômico, como o proposto por Dahlgreen e Whitehead (1991).

Esses relatórios serviram para dar uma dimensão maior às desigualdades em saúde nas políticas existentes na Inglaterra. Principalmente o acúmulo de evidências apresentadas no Acheson Report serviu para mostrar que as desigualdades na saúde são um “problema político”. Sendo assim, em 2003, o Governo britânico desenvolveu uma estratégia nacional para combater essas desigualdades, o Tackling Health Inequalities: A Programme for Action. Esse programa de ação tinha a dupla finalidade, a primeira era determinar uma meta nacional para redução das desigualdades na saúde até 2010 (principalmente da mortalidade infantil e expectativa de vida ao nascer) e, a segunda, apoiar a redução sustentável em longo prazo das desigualdades na saúde.

Em novembro de 2008, o Professor Michael Marmot foi convidado pelo então Secretário de Saúde para presidir uma revisão independente e propor estratégias baseadas em evidências para reduzir as desigualdades na saúde na Inglaterra a partir de 2010. O relatório final gerou o documento ‘Fair Society Healthy Lives’, que norteia muitas das mudanças que estão acontecendo no país. Fundamentalmente diz que as desigualdades na saúde resultam de desigualdades sociais, e que a redução das desigualdades na saúde requer ações em todos os determinantes sociais da saúde. Além disso, as ações devem ser universais, mas com uma escala e intensidade que deve ser proporcional ao nível de desvantagem dos indivíduos.

O crescimento econômico não é a medida mais importante de sucesso do Reino Unido, uma distribuição justa da saúde, bem-estar e sustentabilidade são as metas sociais mais importantes. Em linhas gerais, as políticas em saúde desenvolvidas atualmente por lá têm como alvo comunidades geográficas específicas, que visam o combate à pobreza e desigualdade social. As políticas são fortalecidas pela abordagem de curso de vida, com ênfase na política de desenvolvimento nos primeiros anos de vida. Tem-se tentado também uma redistribuição dos grupos mais pobres em todo o gradiente social, principalmente através de uma das formas mais tradicionais de redistribuição: a tributação. Os cuidados de saúde em geral, apesar de não contribuírem muito para a redução das desigualdades de saúde, muitas vezes atuam como um mecanismo primário para a implementação da política de saúde na Inglaterra. Além disso, o governo apresenta uma cultura de metas e vigilância de desempenho que operam em todos os níveis organizacionais, garantindo que os objetivos políticos sejam cumpridos.

Entender na prática como toda essa teoria é aplicada é o que nos interessa e, na Inglaterra, não nos faltam exemplos. A cidade de Nottingham, por exemplo, tem uma estratégia de ação para que crianças, famílias e adultos possam atingir um peso saudável, o ‘Healthy Weight Strategy for Nottingham City 2011-2020’. O programa inclui ações de prevenção da obesidade em nível populacional tendo como alvo o ambiente, bem como a melhoria da nutrição e atividade física. Outra visão ousada de mudança tem ocorrido na cidade de Sheffield. Com a intenção de torná-la a cidade mais bela na Grã-Bretanha, não só em termos estéticos, mas também em termos culturais, alcançando os que nela moram, trabalham e tomam decisões, foi elaborado um documento (‘Making Sheffield Fairness’) onde são aspiradas mudanças para uma cidade mais justa e mais saudável. A cidade de Thetford, por exemplo, criou um programa de projetos individuais e esquemas para tornar mais fácil para as pessoas serem mais ativas e comerem bem a fim de um futuro mais saudável (http://www.activenorfolk.org/page.asp?section=1329&sectionTitle=Thetford+Healthy+Town) Em Suffolk, existe outro projeto para torná-lo o condado mais saudável da Inglaterra. A proposta é inspirar às pessoas a fazerem pequenas mudanças que terão impacto sobre a sua saúde e bem-estar (http://healthyambitions.org.uk/).

Os determinantes sociais da saúde e as desigualdades em saúde compõem um painel muito específico de problemas para os formuladores de políticas públicas, mesmo na Inglaterra, com todo seu know-how, as causas são multifacetadas e as soluções também. As políticas ocorrem, na sua grande maioria, através de cooperação intersetorial, e os resultados são em longo prazo.  No entanto, sabemos que o acúmulo de evidências sobre as desigualdades na saúde é uma condição necessária para a mudança de políticas e todas as questões precisam ser vistas como “problemas” passíveis de intervenções.

Entender a viabilidade, a técnica, os valores em questão, além de questões culturais de cada país faz parte de um bom planejamento de mudanças. Por isso temos a intenção de conhecer melhor as políticas que reduziram ou estão reduzindo as desigualdades em saúde na Inglaterra. Desvendar se há modelos que deram certo e que podem ser copiados em nossa realidade, além de entender melhor a combinação apropriada de políticas e discutir se essas políticas são suficientemente abrangentes para superar as forças compensatórias que geram e sustentam as desigualdades na saúde, são as nossas metas. Por esta razão vamos inaugurar uma série com matérias que relatam experiências inglesas de ação sobre os DSS que podem inspirar intervenções no Brasil, começando pela experiência de Sheffield.

Referências Bibligráficas

Dahlgreen G, Whitehead M. Policies and Strategies to Promote Social Equity in Health. Stockholm: Institute of Future Studies; 1991.

Fair Society Healthy Lives. London: UCL Institute of Health Equity; 2010. [acesso em 26 dez 2013]. Disponível em: http://www.instituteofhealthequity.org/projects/fair-society-healthy-lives-the-marmot-review

Marmot M. From Black to Acheson: two decades of concern with inequalities in health. A celebration of the 90th birthday of Professor Jerry Morris. Int J Epidemiol [periódico na internet]. 2001 [acesso em 26 dez 2013];30(5):1165-71. Disponível em: http://ije.oxfordjournals.org/content/30/5/1165.full.pdf+html

Marmot MG. Tackling health inequalities since the Acheson Inquiry. J Epidemiol Community Health. 2004;58:262-263.

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