Atenção pré-natal no Brasil: uma questão de oferta, de acesso ou de escolaridade materna?

Pré-natal previne a morbimortalidade materna e perinatal/ Foto: Blog da Saúde (Mario Castello/Corbis Images)

Indicador do Observatório sobre este tema: ind030204

O número de consultas realizadas durante o pré-natal está diretamente relacionado à melhores indicadores de saúde materno-infantil. Existem evidências consistentes de que a assistência pré-natal rotineira previne a morbimortalidade materna e perinatal, pois permite a detecção e o tratamento oportuno de afecções, além de reduzir os fatores de risco que trazem complicações para a saúde da mulher e do bebê (Domingues et al., 2012). Desde 2000, a normatização do Ministério da Saúde define como pré-natal adequado à realização de seis ou mais consultas, preconizando que quanto maior o número de consultas pré-natais maior a garantia de uma gestação e parto seguros. Sendo assim, o Observatório em Iniquidades em Saúde da Fiocruz aponta, como um dos indicadores de atenção preventiva, a proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal.*

Os dados do Observatório (indicador 030204) mostram que a proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal aumentou de 46,2% em 2000 para 58,8% em 2009. Além disso, segundo dados do SINASC, essa tendência de aumento persistiu de modo contínuo, e em 2010, dos 2.861.868 nascidos vivos em todo Brasil, 60% das mães tiveram 7 ou mais consultas de pré-natal (1.733.492). De maneira geral houve melhorias na atenção à saúde das gestantes, mas deve-se destacar que esse indicador esconde diferenças inter-regionais importantes no Brasil. Em 2010 a região Sul, por exemplo, apresentou 75,3% dos nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal, enquanto na região Norte essa proporção foi de 36,8% (região Nordeste 45,3%; região Centro-Oeste 67,2%; região Sudeste 72,7%). (https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind030204-20120130.pdf)

Observando-se os dados por unidade federativa, notamos também diferenças intra-regionais relevantes. Entre os anos de 2001 e 2010, a proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas apresentou, em alguns estados, diferenças de quase 18%. É o caso da região Norte, onde a proporção foi 49,0% em Rondônia e 31,1% no Acre. Porém, o caso mais alarmante é o da região Nordeste com uma diferença de 32,0% entre o estado da Bahia (41,6%) e do Maranhão (26,2%). Essa discrepância preocupa, pois significa menos consultas de pré-natal e, provavelmente, mais desfechos desfavoráveis na gestação, além de diagnosticar uma grave iniquidade social. Dentre todas as unidades federativas brasileiras, o estado do Maranhão é o que apresenta o pior indicador de atenção pré-natal, causando um enorme contraste com o estado do Paraná, que apresenta uma proporção 80,4% de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal. (http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def)

A escolaridade materna tem sido relacionada ao uso e acesso do pré-natal. No Brasil, as mulheres com maior nível de escolaridade apresentaram entre 2000 e 2009, maior proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal. Esta tendência se repetiu inter-regionalmente, porém, é notável a existência de um gradiente em relação à escolaridade, observada em cada ano ao longo do mesmo período (2000-2009). A diferença na proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal entre as faixas com menor (0-3 anos) e maior escolaridade (12 anos e mais) é expressiva e demostra um progresso positivo, apresentando 47,7% de diferença no ano de 2000 e 43,2% no ano de 2009. As mães que não tinham “nenhuma instrução” representaram a maior proporção daquelas sem qualquer consulta pré-natal. (https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind030204-20120130.pdf).

No que diz respeito às diferenças inter-regionais de acesso ao pré-natal e escolaridade, a região Norte não apresentou mudança temporal significativa no indicador ao longo da última década (2000-2009), nas diferentes faixas de escolaridade. Ao contrário das outras regiões, que revelaram uma tendência de um aumento crescente maior que 50% ao final do período (2009). Porém, na comparação ano a ano entre as faixas de escolaridade, a região Norte foi a que apresentou a maior diferença entre as faixas de maior e menor escolaridade, em todo período. Em 2009, a proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal de mulheres com 12 anos ou mais de escolaridade foi 42,8% maior do que as com 0-3 anos de escolaridade. As regiões Sul e Centro-Oeste foram as que apresentaram as menores diferenças entre os extremos de escolaridade para o mesmo período, 29,6% e 26,3% respectivamente. Estas informações sugerem a persistência de iniquidades sociais na atenção pré-natal. (https://dssbr.ensp.fiocruz.br/wp-content/uploads/2012/03/Ind030204-20120130.pdf)

Por trás dos agravos considerados evitáveis na gestação existem determinantes que não são relacionados a fatores de risco proximais, tais como a alta paridade, idade materna, hipertensão ou sífilis congênita. São, principalmente, fatores como a baixa escolaridade materna, a menor renda familiar, a ocupação não qualificada do chefe de família e o atendimento nos serviços públicos de saúde.  A inadequação do uso da assistência pré-natal tem se associado consistentemente a vários fatores indicativos da persistência de desigualdades sociais, mostrando que os grupos sociais mais vulneráveis recebem atenção pré-natal mais deficiente (Coimbra et al., 2003).

Como há uma estreita associação entre a escolaridade e a renda no Brasil, a educação pode ser tomada como medida proxy de renda. Assim, podemos dizer que a escolaridade, no caso desse indicador de atenção preventiva, pode ter um efeito adicional, ou seja, além de maior renda, a escolaridade em si permite à futura mãe conhecer melhor os cuidados necessários com a gestação, incluindo o cumprimento do pré-natal. A escolaridade interfere na percepção sobre a importância dada pelos indivíduos à assistência à saúde materno-infantil. Fato que não exclui a necessidade de ampliação ou de melhoria da assistência pré-natal da rede pública no país, além da implantação de estratégias e políticas púbicas que favoreçam o acesso para todas as mulheres. Uma ação conjunta com foco em na maior oferta, melhor acesso e aumento da escolaridade materna é fundamental para reduzir as iniquidades sociais em saúde, pois além de limitar o aparecimento de situações potencialmente de risco para mãe e o recém-nascido, é determinante para outros desfechos indesejáveis na saúde materno-infantil.

*As informações derivadas do SINASC (Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos) possuem uma categorização do número de consultas por grupos preestabelecidos: nenhuma, uma a três, quatro a seis, e sete ou mais. Por isso, a proporção de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-natal foi o critério escolhido pelo Observatório em Iniquidades em Saúde da Fiocruz como indicador de atenção preventiva.

Referências Bibliográficas

 

Coimbra LC, Silva AAM, Mochel EG, Alves MTSSB, Ribeiro VS, Aragão VMF, Bettiol H. Fatores associados à inadequação do uso da assistência pré-natal. Rev. Saúde Pública  [periódico na internet]. 2003  Aug [acesso em 22 maio 2012]; 37(4):456-462. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102003000400010&lng=en&nrm=iso&tlng=br.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102003000400010

Datasus. Nascidos Vivos – Brasil. Brasil; 1994-2010. [acesso em 15 maio 2012]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinasc/cnv/nvuf.def

Domingues RMSM, Hartz ZMA, Dias MAB, Leal MC. Avaliação da adequação da assistência pré-natal na rede SUS do Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública [periódico na internet]. 2012 Mar [acesso em 15 maio 2012];28(3):425-437. Disponível em: http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2012000300003&lng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2012000300003

Instituto Brasileiro de Geogra?a e Estatística – IBGE. Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro; 2009 [acesso em 15 maio 2012]. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indic_sociosaude/2009/indicsaude.pdf

Ministério da Saúde. Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento. Brasília (DF); 2002 [acesso em 15 maio 2012]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/parto.pdf

A saúde reprodutiva: gravidez, assistência pré-natal, parto e baixo peso ao nascer. In: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Saúde Brasil 2004: uma análise da situação de saúde. Brasília (DF); 2004 [acesso em 15 maio 2012]; p. 69-83. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/capitulo2_sb.pdf

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